Você fica muito irritado quando o seu computador está muito lento e demora para carregar? Sente-se ansioso e aperta várias vezes o botão do elevador quando parece que ele nunca chega? Fica frustrado se a promoção no trabalho leva mais de 6 meses pra chegar, mesmo com tantos elogios do seu chefe? Fica muito frustrado e começa a criar vários cenários negativos na cabeça quando o crush demora para mandar mensagem?
Esses são episódios que se repetem no dia a dia da escuta do psicólogo e que trazem um sofrimento às vezes intenso, principalmente para os adolescentes e jovens adultos.
A impaciência e a pressa estão sendo potencializadas pela sensação constante de que nunca retornaremos à vida normal, mas elas já estavam presentes em nosso dia a dia, talvez não de forma tão intensa como agora.
A quarentena diante da pandemia do covid-19 fez com que boa parte das pessoas mudassem sua rotina, o que causou uma desaceleração forçada, ou o oposto, uma aceleração ainda mais exacerbada com a cobrança por resultados “para ontem” no modelo de home office ou de estudos on-line.
Isso somado a uma limitação de momentos de socialização fora do meio doméstico e uma diminuição do acesso a formas de prazer mais intensos e facilmente acessíveis.
A relação com o tempo, principalmente entre adolescentes e jovens adultos
Poucas gerações hoje em dia sabem o que é fazer uma pesquisa em uma biblioteca, tendo de acessar diversos conteúdos para construir um saber sobre determinado assunto. Hoje em dia, o Google pode responder boa parte de suas perguntas com apenas poucos cliques.
Ou você pode ter produtos entregues em sua casa muito rapidamente e sem nenhum esforço. A experiência de ter tudo na mão a um clique de distância é ótima e facilitou muito a vida de todos. Porém, muitas vezes pode dar a sensação de que tudo deveria funcionar assim: o crescimento na carreira, as mudanças em um tratamento estético, os resultados de uma psicoterapia, o crescimento do salário, os relacionamentos.
Mas será que isso é possível e até mesmo vantajoso? A cobrança pela linha de chegada é tão grande que muitas vezes não nos permitimos vivenciar o caminho até ela e mesmo aproveitar os resultados de um processo um pouco mais longo e trabalhoso.
O ditado que diz: “o que vem fácil, vai fácil” pode ter algum sentido em certas situações. A chegada em objetivos conquistados pode perder o valor rapidamente, e com frequência não se obteve prazer nem sequer ao longo do caminho até lá, o que traz uma sensação de frustração constante, pois nada se torna alegre ou prazeroso o suficiente.
Isso acontece porque a aceleração pode nos impedir de entrar em contato com os sentimentos suscitados ao longo do percurso, sejam eles positivos ou negativos, e processá-los internamente para que possamos dar um destino a eles.
As consequências negativas do excesso de aceleração
O grande problema é que não sentir, ou ainda, não dar sentido para os acontecimentos e sensações, não permite a elaboração, o que pode produzir diversos sintomas psicológicos que trazem sofrimento cada vez maior ao longo do tempo.
Por mais que a rapidez seja extremamente útil e necessária em determinadas situações, a nossa mente não está preparada para uma enxurrada de acontecimentos, estímulos e informações sem um tempo para processá-los.
É comum conhecer pessoas que sentem um enorme vazio, não conseguem acessar sentimentos e só conseguem reconhecer como prazerosos os momentos de emoções muito intensas, porém fugazes. Ou ainda pessoas que desenvolvem sintomas ansiosos, tendo dificuldades para processar o excesso de sensações e sentimentos que são suscitados com o bombardeamento de estímulos.
Alguns comportamentos como:
- Passar horas diante de redes sociais,
- Jogar vídeo game excessivamente,
- O uso exagerado de álcool, maconha e outras drogas
Podem exercer uma função de anestesia diante do bombardeamento de informações e estímulos e da dor causada pela dificuldade em processá-los e elaborá-los.
Pode ser observada uma enorme frustração e irritação diante de acontecimentos que requerem soluções lentas e trabalhosas.
A construção de uma carreira de sucesso, por exemplo, é tão almejada e cobrada na nossa sociedade atual, mas requer um trabalho mais árduo e um tempo muitas vezes longo para o crescimento profissional. É comum entre jovens adultos observar trocas constantes de empresa diante de uma frustração muito grande diante da demora para uma promoção, uma sensação de não reconhecimento e uma dificuldade enorme em esperar o tempo necessário para subir os degraus para chegar até o destino almejado.
Qual é a contribuição da psicanálise?
Diversos autores da psicanálise falam da importância da falta, do momento de uma ausência para a construção da capacidade de pensar. Aqui estamos falando do pensamento reflexivo que nos permite elaborar as nossas experiências, dar sentido a elas, para somente depois passar ao agir.
Isso exige um momento de parada, de espera, uma tomada de tempo de aprendizagem e de elaboração. E parar tudo vai na contracorrente dos tempos de tecnologia, de pressa, de cobrança de sucesso rápido, produtividade, aceleração e felicidade plena.
Se estamos constantemente preenchidos por informações, estímulos e trabalho, quando vamos conseguir o espaço vazio necessário para o pensamento e simbolização de tudo o que essas coisas suscitam internamente?
Quando você se deu esse tempo pela última vez?
Muitos têm buscado a meditação para construir para si esse espaço, mas é frequente se escutar que é difícil ficar 5 minutos de olhos fechados “sem fazer nada” e sem olhar para o celular. E é preciso tempo e paciência para construir essa habilidade, se isso até hoje não foi possível para você.
Além da meditação, existe muita gente que aproveita o tempo do banho, de uma caminhada, ou até mesmo de lavar as roupas para refletir e entrar em contato com as partes de si mesmo que podem ter ficado negligenciadas durante a rotina corrida.
Então não estamos apenas falando de uma necessidade de muito tempo livre para ter esse momento, mas de um tempo em que se faça o exercício de voltar-se para si mesmo e entrar em contato com os sentimentos que podem não ser percebidos em meio a tanta agitação.
Esse momento de reflexão pode ser encontrado nas sessões de terapia, onde uma escuta qualificada pode auxiliar você na construção dessa habilidade de desacelerar e refletir um pouco mais sobre seus sentimentos e experiências de vida.
Imagine ter mais ou menos uma hora em sua semana que seja só para você, e nela você terá a ajuda de alguém que possa te ouvir (e te ajudar a se ouvir) e a diminuir um pouco a pressa para entender melhor o que você está sentindo e como isso pode estar afetando a maneira como você vê e leva a sua vida no dia a dia.
Essa é a proposta da psicoterapia diante da aceleração de toda a nossa rotina no restante da semana.
E o mais interessante é que o que ganhamos com o desacelerar é conseguirmos ser mais produtivos, estar mais presente naquelas atividades que fazemos em nosso dia a dia, ter um melhor autoconhecimento e, portanto, uma maior facilidade em fazer as escolhas necessárias para alcançar os objetivos mais importantes para a gente.
Carolina de Melo Simões
Psicóloga
CRP 06/896513