Quando o passado não passa: o impacto das dores emocionais não superadas!

Quando o passado não passa: o impacto das dores emocionais não superadas!

A importância de sentir

É provável que nossas emoções e sentimentos sejam a linguagem mais autêntica a ressoar dentro de nós. E quando nos falam, deveríamos escutá-los. Mas o que acontece quando não damos a eles a devida relevância? 

Nós captamos o mundo a partir de nossos sentidos, pois, são eles que enviam para dentro de nós o que se passa do lado de fora, criando as bases para nossas percepções. Sentir seria então nosso sentido complementar, aquele que ilumina tudo o que percebemos a partir de uma luz única e subjetiva, originando o modo como cada um vai constituindo seu mundo interior. 

Se os sentimentos podem transmitir-nos tamanha verdade sobre nós mesmos, seria possível uma plena compreensão da realidade sem considerá-los? Não. Nosso diferencial humano passa pela capacidade de sentir o que vivemos e não apenas de vivermos. Quem se afasta do entendimento sobre os próprios sentimentos, distancia-se de um modo verdadeiro, responsável e consciente de existir. Autoconhecimento não se trata apenas do que sabemos sobre nós mas, sobretudo, diz respeito ao que verdadeiramente conhecemos sobre tudo aquilo que sentimos. 

O que acontece com o sentimento reprimido?

Sentimentos formam o arcabouço da subjetividade humana. Experiências semelhantes são vividas e sentidas de modo exclusivo por cada pessoa que as vivencia. Quando algo nos acontece, primeiro sentimos, depois pensamos. É assim desde sempre, já que emoção é vivenciada antes da razão. Para racionalizar, os seres humanos precisam de maturidade neurológica, enquanto que, para sentir basta existir. 

É saudável racionalizar a emoção? 

Se fizermos isso antes mesmo de reconhecê-la, aceitá-la, e integrá-la, podemos acabar negando ou reprimindo o que sentimos, por força de nossos julgamentos, que por vezes reprovam nossos sentimentos. E para onde vãos esses sentimentos “rejeitados”? Eles não vão, eles ficam. Este é o problema, e nesse caso, podem ainda vir a ser um fator potencial para o adoecimento emocional. 

O que fazer com a dor identificada?

A dor sinalizada por um sentimento deve ser ouvida. Quando alguém diz ou faz algo que nos fere, primeiramente deveríamos nos apropriar dessa realidade, permitindo que ela se esgote em nós, mesmo sendo necessário aceitar e enfrentar tal incômodo ou desconforto. Validar o que sentimos é um ato de profundo respeito por nós mesmos. Só depois disso conseguimos refletir sobre o contexto, as causas, os impactos. Não seremos capazes de dialogar com algo cuja existência não reconhecemos. Como já disse Carl Rogers, só modificamos o que primeiramente aceitamos. 

Os benefícios de aceitar aquilo que sentimos

Aceitar um sentimento como a raiva, por exemplo, nos permitirá dar vazão adequada a ela e retomar o equilíbrio necessário. O mesmo se dá com a tristeza e o sofrimento que, se refletidos, podem vir a promover a dissonância cognitiva necessária para gerar uma lacuna fecunda entre o que somos e o que queremos ser, o que de fato fizemos e o que desejávamos ter feito, e com isso originar grandes possibilidades de mudança. 

Os malefícios de não aceitar o que sentimos

No intuito de nos proteger podemos usar excessivamente de defesas, cuja manutenção requer um grande investimento de energia, maior até do que precisaríamos se resolvêssemos expressá-los ao invés de reprimi-los. Não assumir total responsabilidade pelo que sentimos pode nos levar a culpar desnecessariamente os outros por aquilo que nós interpretamos equivocadamente, como atribuir intencionalidade aonde não existe, distorcendo fatos, disfarçando sentimentos e nos eximindo de fazer o que nos cabe: nos apropriarmos do que é nosso. 

Esquivar-nos dos sentimentos não evita a dor, torna-a mais intensa e duradoura. Sentimentos não deviam nos ameaçar, deviam ser percebidos como sinais imprescindíveis de nossa verdade interior. Corremos o risco de tornar nossas defesas um escudo impermeável, diante do qual não possamos mais absorver a realidade como de fato a percebemos e vivenciamos, somente interiorizando uma versão mais aceitável e tolerável aos nossos olhos. Essa impermeabilidade à dor, também pode nos impermeabilizar das alegrias e das boas experiências, as quais merecemos desfrutar.  

Nada disso significa que não podemos (ou devamos) ignorar ou relevar coisas menos importantes. Apenas nos referimos aqui àquilo que de fato dói, e por isso importa. Se doeu, tem algo a nos comunicar e sendo assim, devemos ouvir. 

Admitir nossa imperfeição é imprescindível

De que modo estaremos melhor adaptados ao sofrimento inevitável se reprimirmos todo indício de dor e mal-estar interior? Ao aceitar nossa falibilidade como condição humana e ao integrar o sentir ao existir, sairemos mais fortalecidos diante das adversidades e contrariedades da vida. 

Nossos sentimentos mais intensos deveriam refletir o momento presente e não carregar eternamente nossas dores passadas não elaboradas. Deveríamos ser capazes de não distorcer a realidade para que uma versão mais suportável coubesse em nós, e ao invés disso, expandir-nos para abarcar as realidades vividas, sejam elas agradáveis ou não. 

O que nos faz mal também impacta nossos filhos

Muitos pais reprimem nos filhos sentimentos com os quais eles próprios não conseguem lidar, replicando no outro suas próprias dificuldades por se recusarem a reconhecer de fato o que sentem. 

Ainda vivemos numa sociedade onde muitos ainda dizem para os filhos que “homem não chora”. O que estamos ensinando a esses meninos além de invalidarem sua capacidade de sentir e expressarem-se? Convencendo-os de que aquilo que sentem não importa e não deve ser percebido pelos outros? Negando-lhes a possibilidade de conhecerem a si próprios e de legitimarem quem são e o que sentem? Será que não estamos encorajando-os a reprimirem sua verdade mais íntima e valiosa? Será que isso nada tem a ver com o fato de que o número de consecução de suicídios é maior em homens?

Como lidar com as dores emocionais do passado?

Perdas não são fáceis de lidar, elas doem, nos deixam com raiva. Essa raiva precisa ser de algum modo reconhecida e externalizada adequadamente para que não nos gere culpa ou provável depressão. 

Como então aprender no presente a elaborar a mágoa passada? Vejo todos os dias árduos processos humanos de uma intensa luta interior de quem ainda não legitimou a própria dor vivida. Ou porque é inadmissível assumir que aquele que os feriu deveria amá-los, ou porque não encontram forças para suportar a verdade que os sentimentos lhe traduzem, ou ainda por não reconhecerem a própria vulnerabilidade diante da vida, etc. Seja por que razão for, reassumir nossa capacidade humana de sentir é o primeiro e paradoxal passo para essa mesma dor deixar de existir. Dor reprimida não é dor resolvida. É, quando muito, dor redirecionada: para si mesmo, para outra pessoa ou para a vida de um modo geral. Essa mágoa não suficientemente expressada no passado pode, na vida adulta, ser de algum modo “atualizada” pelos acontecimentos ou gatilhos que nela hoje esbarram. 

Dizemos frequentemente que o outro nos feriu imensamente com o que nos disse mas, na verdade, essa fala pode apenas ter encontrado ressonância em um conteúdo já existente. Ao permitir fluir o sentimento, reequilibramo-nos, esvaziamo-nos de dolorosas vivências amontoadas e nos prontificamos a prosseguir. 

Aceitar que somos suscetíveis à dor e ao sofrimento e que não há perfeição, autossuficiência e onipotência legítimas na condição humana, abre-nos para a possibilidade de vivenciar tudo o que sentimos quando necessário, empreendendo bem menos esforços do que utilizaríamos se tentássemos ocultá-los. 

O que fazer ao sentir-se ferido? 

  • Reconheça sua dor: assuma o que foi que causou o sofrimento, o desapontamento, a mágoa. É possível descobrir neste momento que a dor maior não está no fato em si, mas muitas vezes naquilo que nós interpretamos sobre o fato vivido. 
  • Dê um tempo para acalmar-se: Quando nossas emoções mais intensas surgem, nossas capacidades de expressão e de verbalização ficam prejudicadas. 
  • Expresse sua dor tão sinceramente quanto puder: Fale como se sente sobre o que houve, de modo simples e verdadeiro.
  • Não crie expectativas demasiadas ao que o outro fará com isso: Não espere grandes atos de reparação. Muitas pessoas não estão prontas para a verdade e não saberão o que fazer. 
  • Tenha claro seu objetivo: dar ao outro a oportunidade de saber como você se sente sobre algo, de modo a não precisar guardar para si o que não te faz bem.
  • Usufrua da ação libertadora da verdade: Não ter que lidar com a dor de fingir que não está doendo pode nos restituir uma paz inimaginável. 

Se você tem dificuldades com o manejo de seus sentimentos e emoções, busque ajuda profissional. A vida presente já é suficientemente desafiadora sem os pesos emocionais do passado. Como já disse Viktor Frankl: “Somos filhos do nosso passado, mas também somos pais do nosso futuro.”

 

Referência bibliográfica:

VISCOTT, D.S.  A Linguagem dos Sentimentos. São Paulo: Summus, 1982.

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