Corpos livres: gênero, empoderamento e liberdade

Corpos livres: gênero, empoderamento e liberdade

– Ela é tão livre que um dia será presa.
– Presa por quê?
– Por excesso de liberdade.
– Mas essa liberdade é inocente?
– É. Até mesmo ingênua.
– Então por que a prisão?
– Porque a liberdade ofende.

Clarice Lispector

Hey, mulher! O teu corpo te pertence, ele é fruto de sentidos e significados que marcam sua história. Ele é um mundo a ser desvendado, percorrido com cuidado, afeto e liberdade. A liberdade é a possibilidade de você se construir como dona de si, de estar onde te faz bem, de compartilhar o que te alegra e de sentir os amores que te fortalecem. 

Reconhecer teu corpo com um espaço de afetos em potência, significa produzir um novo olhar sobre si, de modo que você passe a construir outras possibilidades de existência, que esteja amparada em sua singularidade. Te convido a discutirmos um pouco sobre marcas que circunscrevem ou que podem vir a circunscrever seu corpo.

Gênero 

Você já ouviu algo do tipo “Você está magra demais!”, “Você está gorda demais!”, “Está precisando de um regime”, “Já pensou em deixar o cabelo crescer?”, “Por que não usa outra cor de esmalte?”, “Por que não usa outra cor de batom?”, são perguntas que de forma indireta ou direta já passaram pela vida de diversas mulheres. 

Existem padrões de beleza e comportamentos que as mulheres devem seguir. Estando fora das regras, você passa a ser questionada. Isso vem a traçar percursos diferentes em como você começa a se relacionar com o seu corpo, atingindo inclusive sua autoestima, sua forma de se comportar nos locais e a maneira que você encara sua vida afetiva, de trabalho ou na universidade. São padrões que foram construídos historicamente e quebrá-los nunca foi uma tarefa fácil a qualquer mulher. Exige o exercício de coragem, enfrentamento e principalmente, de esforço psicológico. 

Os ciclos sociais proporcionam relações que geram bem-estar; nas rodas de amigas/os dá para brincar, rir, conversar e contar piadas; em reuniões familiares encontram-se com afetos de infância, e nos relacionamentos amorosos procura-se um lugar de acolhimento e carinho. No entanto, também são ambientes em que se exercem as ordens patriarcais – espaços que ditam regras de modos de ser e existir convenientes com suas concepções individuais – e vale considerar que essas opiniões sobre você e sobre seu corpo, podem te machucar, abrindo feridas que podem ser difíceis de cicatrizar. 

Resistir contra essas regras e falas é uma empreitada longa, porém traz consigo o acalanto da oportunidade de se desenvolver enquanto uma mulher forte, capaz de ressignificar seus sentimentos com seu corpo, com o que gosta de fazer, ou qual cor de cabelo e unha usar. Fortalece em você a possibilidade de se orgulhar da mulher que está se construindo e sempre em construção, por compreender que a cada segunda, hora ou dia, você se faz uma pessoa diferente. A diferença incomoda, mas ela também demonstra sua originalidade. 

Empoderamento 

Seria a diferença que incomoda, ou na verdade o seu empoderamento? Empoderamento é a ação de emancipar-se individualmente, de construir em si a superação de dependência emocional e de potencialização de suas opiniões, ações e decisões. Poderíamos dizer que empoderamento traça em você o poder sobre si mesma. No intuito de destrinchar a perspectiva de empoderamento trazida, trataremos mediante três eixos de perspectiva: 

  1. Luta por aceitação própria: envolve construir um diálogo consigo mesma, de modo que você se reconheça como autônoma, desprendendo-se de padrões de beleza e afirmando-se como responsável pelas escolhas dos papéis que quer desempenhar. “Quero ou não ser mãe?”, “Quero ou não casar?”, “Estou satisfeita com meu corpo?”, “Estou feliz com minhas conquistas?”, são perguntas que só você deve responder e são decisões que só cabem a você. A aceitação acontece cotidianamente, você nunca se aceita plenamente como se fosse um “buum”, isso acontece por etapas, com paciência e respeito aos seus limites e emoções, por isso não se cobre, apenas tenha calma e se disponibilize a repensar o que faz você feliz.
  2. Luta pela liberdade: travar essa luta, significa emergir na construção de uma mulher que se sente satisfeita com suas vontades, que ama quem te traz o bem, troca aconchego com quem te proporciona afeto e cuidado, e que segue a vida como uma estrada de aventuras na qual ela quer experimentar. Experimentar locais, comidas, conhecer pessoas, dançar e beber com amigas/os e amores. E qual o erro de ser livre? Não há erro nenhum. O que existe são condutas tidas como morais ou imorais que as pessoas (famílias, relacionamentos amorosos ou amizades) querem te colocar. Talvez, seja o momento de você SE colocar, não permitindo que te coloquem em canto nenhum, pois muitas vezes esses locais não cabem a imensidão de mulher que você é. Eles podem te sufocar, diminuir sua potência, sua jovialidade de seguir a vida como um brincar. Então lute, é importante para preservar a você o seu bem-estar. 
  3. Luta por saúde mental: a maior luta pelo empoderamento é a conquista de saúde mental. Todas as emoções que você sente ao receber críticas sobre aquilo que você é, deslegitima sua maneira de lidar consigo e causa inúmeros danos emocionais. Lidar com essas angústias, tristezas e, às vezes, com baixa autoestima, coloca a mulher em uma posição de vulnerabilidade constante, gerando mal-estar e desenvolvimento baixo em âmbitos como estudos e trabalho. A luta pela aceitação de si e a luta pela liberdade, está intrínseca à luta por sua saúde mental, libertar-se de amarras que diminuem e construir laços que te fortalecem é extremamente importante para o seu desenvolvimento emocional e empoderamento político. Assim, lutar por sua saúde psicológica é enfrentar paradigmas sociais que querem te definir, mas ao quebrá-los você não constrói novos paradigmas, você constrói espontaneidade. 

Liberdade 

Ressignifique sempre o que falam sobre você. Ao passo em que tentam marcar seu corpo com desejos egoístas e individuais, reverta esse lugar, crie marcas em seu corpo que estejam permeadas por desejos seus, afetos seus. Essas marcas são como linhas curvilíneas de espaços que você andou, comidas que experimentou, sentimentos que se expressaram, emoções que vivenciou, e está em curva porque essas vivências não acontecem de forma linear.

Às vezes acontece uma situação inesperada, algo que queria conquistar e não deu certo, mas quando você se vê como uma pessoa em potência, constrói processos de reinvenção constante, encontrando saídas, visualizando novos eixos de ações. Em geral, a vida adulta é um pouco disso, mas também uma vida em que você está em compromisso consigo mesma. 

Qual o lugar da Psicoterapia nesse processo?

É necessário identificar o espaço psicoterápico como um lugar de acolhimento, aceitação, fortalecimento, escuta e de lugar de fala. É um local aberto a te ouvir. Parecem coisas simples, mas justamente o que leva muitas mulheres à terapia é a falta de ser ouvida, sentida e compreendida. Suas falas costumam ser cortadas, seus comportamentos contidos e seus desejos reprimidos. A repressão ao corpo das mulheres é uma das mais violentas, pois tira a possibilidade de conhecimento sobre seu corpo e de empoderamento, de forma que ela se aceite, se sinta feliz consigo. 

A busca pela psicoterapia, torna-se uma busca por liberdade, grita o que te sufoca, tira de você o que tem te feito mal, dando lugar a uma construção em você que trace uma caminho a uma mulher que se orgulhe de si, que sinta-se em paz e faça suas próprias escolhas.

Quando Clarice Lispector diz que a liberdade ofende, é porque essa liberdade não se importa com as vontades alheias, as vontades que importam são as suas. A liberdade faz com que você rompa seus medos; as críticas ou piadas já não interessa, o que passa a interessar é o que te traz sossego, gargalhada, festividades e a convicção de que se aceitar, é aceitar suas qualidades e defeitos.

Por fim, enfatizo: o processo de construção de um corpo feminino livre não é fácil. Por não ser um processo de construção simples, é necessário que você se fortaleça com suas amigas e amigos, com sua família e principalmente com você. Esse percurso não precisa ser solitário e para isso o processo terapêutico pode te auxiliar a reescrever sua história de uma forma que te caiba. 

 

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Referências bibliográficas:

GARCIA, Candela Andrea Ramallo; VIEIRA, Lara Soutto Mayor; SANTIAGO, Marisa Antunes; GONÇALVES, Hebe Signorini. Meu corpo me pertence: interfaces entre psicologia, dança e gênero. Fractal: Revista de Psicologia, v. 31, n. 2, p. 67-75, maio-ago. 2019. doi: https://doi.org/10.22409/1984-0292/v31i2/5600

BRITTO, Clovis Carvalho & PRADO, Paulo Brito. Inversão de papéis: jogos de gênero e imaginação literária em Rachel de Queiroz ALEA | Rio de Janeiro | vol. 20/3 | p. 201-221 | set-dez. 2018. 

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