Estrutura social e saúde mental a partir do BBB21

Estrutura social e saúde mental a partir do BBB21

No programa televisivo Big Brother Brasil 21, veiculado pela Rede Globo, ocorreu no dia 05/04/2021 uma situação entre os participantes João e Rodolffo que ganhou muito repercussão no país.

João manifestou, durante um quadro do programa chamado “Jogo da Discórdia”, sua dor em ter ouvido de Rodolffo uma fala ofensiva. A referida fala tratou-se de um evento ocorrido alguns dias antes, quando Rodolffo estava vestindo uma fantasia e comparou, em tom de brincadeira, a peruca da fantasia de homem primitivo ao cabelo Black Power de João.

Além desse evento, ocorreu uma outra situação após o Jogo da Discórdia que, particularmente, chamou-me atenção: tratou-se de um episódio no qual o participante do programa, Arthur, chorando, falou para outra participante, Pocah, o quanto ele não sentia orgulho nem gostava do jeito agressivo dele, mas que aprendeu a ser assim porque isso sempre lhe foi exigido em seus vínculos familiares desde sua infância.

O racismo estrutural e a masculinidade tóxica

Na primeira situação, a qual envolve João e Rodolffo, temos um exemplo claro do que é o racismo estrutural. Na segunda situação, temos um exemplo claro do que é masculinidade tóxica.

Então, discorrerei sobre esses temas, mas gostaria de esclarecer que, ao abordar os temas, nem coloco Rodolffo numa posição de qualquer rotulação ou má fé, nem eximo Arthur da responsabilização/culpabilização sobre seus atos. Dito isso, vamos aos temas que este programa escancarou na edição do dia 05/04/2021.

O racismo estrutural compreende as práticas naturalizadas e incorporadas na sociedade há anos que privilegiam uma etnia em detrimento de outras, abrangendo os comportamentos que remetem características da etnia negra ao que é ruim, negativo, feio, descuidado, bagunçado, etc.

Como, por exemplo, referir-se ao cabelo crespo como algo ruim, feio, descuidado, ou compará-lo a algo que possui essas classificações, mesmo sendo um cabelo cuidado, lavado e penteado, assim como fazer o mesmo com outras características físicas.

Essas práticas são disseminadas de diversas formas, sejam nas piadas, brincadeiras, sejam nas situações mais formais de exigências para empregabilidade, por exemplo. O filósofo e professor Silvio de Almeida, referência brasileira sobre o supracitado tema, classificou como o racismo se dá de diversas formas na nossa sociedade e aprofundou a compreensão das manifestações sociais do racismo.

Para, além disso, o autor apresenta uma concepção estrutural de racismo que está intrinsecamente ligado ao racismo institucional que determina suas regras a partir de uma ordem social estabelecida.

Isso significa que o racismo é uma decorrência da estrutura da sociedade que normaliza e concebe como verdade padrões e regras baseadas em princípios discriminatórios de raça. Almeida enfatiza que o racismo é parte de um processo social, histórico e político que elabora mecanismos para que pessoas ou grupos sejam discriminados de maneira sistemática. (GAUDIO, 2019, p.215)

Já a masculinidade tóxica refere-se a imposição social sobre o homem para que esse assuma sempre uma posição de demonstração de virilidade masculina e insensibilidade afetiva. Esse imperativo societário vem ganhando destaque na agenda saúde pública mundial e brasileira pelo entendimento da sociedade como sistemas que produzem e geram patologias e/ou sofrimento patológico validado socialmente com altos custos coletivos. 

Trata-se de uma questão que encontra ressonância também nos discursos da saúde pública: em 2019, a Organização Mundial da Saúde (OMS) lançou o relatório Masculinidades y salud en la Región de las Américas, que aponta que muitos dos comportamentos advindos da sociabilidade de uma masculinidade dominante se tornam problemas de saúde pública como, por exemplo, a admissão de comportamentos de risco, a dificuldade de expressar emoções, a violência, a falta de cuidado de si.

O relatório aponta que muitas das causas de doenças e mortes comuns entre homens, originam-se de condutas machistas. (CASADEI; KUDEKEN, 2020, p.914)

Ambos os temas desnudam práticas legitimadas socialmente que implicam a saúde mental das pessoas envolvidas por gerar um desconforto dessas consigo. O racismo estrutural faz com que o negro, muitas vezes, sinta-se desconfortável em ser quem de fato é, que se sinta desconfortável com o cabelo crespo e abra mão de aceitar-se para corresponder às expectativas e aceitabilidade sociais.

As implicações

A masculinidade tóxica pode fazer com que o homem sinta-se desconfortável em não poder ser quem gostaria de ser, sinta-se intimidado ao chorar ou demonstrar amabilidade. Então, se não podemos viver bem consigo por causa dessa pressão social, como viveremos bem com o outro?

Como viver bem nessa sociedade se o mínimo para isso, que é poder amar-se, é negado? As respostas a essas perguntas refletem-se no alto índice de suicídio e adoecimento mental no nosso país. Contudo, até quando pessoas irão adoecer mentalmente ou ceifar a própria vida por problemas que estão na estrutura da  sociedade? 

As transformação das estruturas sociais

É preciso transformas as estruturas sociais, é preciso “GRITAR” que cabelo crespo, traços largos, pele escura, são lindos tanto quanto cabelos lisos, traços finos, pele clara. A beleza está na diversidade humana, natural e biológica.

Nada é mais lindo que a diversidade, belezas diferentes que merecem todas serem igualmente enaltecidas e não comparadas com algo que representa o descuidado, o sujo, o bagunçado, o feio. Sabemos que não há intenção em machucar, sabemos que é estrutural, assim como sabemos que é preciso falar sobre isso para romper o que a estrutura construiu com base em distorções, com base na sobreposição étnica por ganância e domínios territoriais.

É preciso “GRITAR” que homens podem ser tudo que há de possibilidade no humano: sensíveis, amáveis, carinhosos, fiéis, cuidadosos, etc. Os homens devem demonstrar suas sensibilidades e vulnerabilidades, e entender que forças e fraquezas são características humanas e devem ser expressas e acolhidas.

Homens não têm que apanhar porque choram ou porque apanharam na rua, têm que ser acolhidos em suas dores, assim como as mulheres, até porque agressão nunca foi sinônimo de força e sim sinônimo de descontrole emocional, crueldade, opressão.

Enquanto aceitarmos ser o que a sociedade impõe, abriremos mão de vivermos nossas vidas como gostaríamos de experienciá-la. Então, é fundamental transformarmos estruturas sociais/comunitárias/familiares para que possamos ser autores de nossas histórias, aceitarmo-nos, amarmo-nos, construirmo-nos.

Contudo, apesar de parecer difícil alterar a estrutura social, um passo inicial importante é o auto conhecimento e o amor próprio, quando cuidamos de nós, quando nos amamos e nos aceitamos, ficamos mais fortalecidos para lidar com diversas situações e o reflexo disso dar-se-á na sociedade.

A terapia é uma das ferramentas disponíveis que nos auxilia nesse processo, além de outras como a:

  • Organização social,
  • A ampliação dos estudos e conhecimento,
  • O fortalecimento de vínculos e grupos representativos,
  • O acolhimento familiar e comunitário,
  • O autocuidado,
  • Etc. 

Portanto, se você se identifica abrindo mão de ser quem gostaria de ser, sentindo desconforto consigo, conte com apoio psicológico nesse processo, a terapia será uma importante aliada. O conhecimento, o autoconhecimento e o amor próprio são transformadores pessoais e sociais.

Referências:

  1. GAUDIO, Eduarda. Resenha Do Livro “O Que É Racismo Estrutural?” De Silvio Almeida. Revista Humanidades e Inovação.  Tocantins, v.6, n.4, p. 214-217, abril. 2019. Disponível em: file:///C:/Users/Caca/Downloads/951-Texto%20do%20artigo-4453-1-10-20190502.pdf. Acesso em: 16/04/2021.
  2. ASADEI, Eliza; KUDEKEN, Victoria. A masculinidade tóxica no discurso da saúde pública: estratégias de convocação dos homens em campanhas do SUS. RECIIS- Revista Eletrônica de Comunicação, Informação e Inovação em Saúde. Rio de Janeiro, v.14, n.4, p. 912-925, out.-dez. 2020. Disponível em: file:///C:/Users/Caca/Downloads/2094-9118-1-PB.pdf. Acesso em: 16/04/2021.
Clariana Carvalho
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