Eu só terei valor se for magra?

Eu só terei valor se for magra?

Em uma sociedade em que a magreza extrema é valorizada, admirada, padrão a ser conquistado, transtornos como anorexia nervosa (AN) e bulimia nervosa (BN) são cada vez mais comuns. Há a pressão social para se fazer dieta e a crença de que devemos ser magras para nos sentirmos aceitas pela sociedade. Para muitas a magreza é um critério fundamental de avaliação de seu valor como pessoa.

Essa pressão social contribui para que muitas mulheres que não estão dentro do padrão esperado desenvolvam crenças de menos valia (“se não for magra não terei valor”, p.ex.), levando algumas a desenvolver transtornos alimentares (TAs). Há teorias sugerindo que fatores psicossociais são de extrema importância no início dos TAs. Fatores biológicos (herança genética), psicológicos (baixa autoestima) e sociais (influência da mídia, pressão por parte do ambiente em ginastas, modelos, atrizes ou bailarinas) se inter-relacionam gerando o início e manutenção dos TAs.

Estima-se que 0,5 a 1% das mulheres adolescentes e no início da vida adulta preenche os critérios para AN e 1 a 3% para BN. Esses transtornos provocam uma grave perturbação do comportamento alimentar e trazem diversos prejuízos ao indivíduo.

O que são crenças?

Começando na infância, as pessoas desenvolvem determinadas crenças sobre si mesmas, outras pessoas e seus mundos. Nossas crenças mais centrais são idéias que são consideradas como verdades absolutas, exatamente o modo como as coisas “são”. Interpretamos as situações de acordo com as nossas crenças. Estas influenciam a forma como pensamos, sentimos e nos comportamos. 

O objetivo primordial da Terapia Cognitivo-Comportamental (TCC) é modificar as crenças disfuncionais e desenvolver crenças mais funcionais e embasadas na realidade.

Anorexia nervosa (AN)

Pessoas com AN se recusam a manter o peso mínimo normal adequado à idade e à altura, e fazem restrição alimentar para alcançar a magreza extrema. Apresentam um medo intenso de ganhar peso ou de se tornar gorda, mesmo com o peso inferior ao esperado. Possuem um distúrbio de imagem corporal que faz com que se percebam mais gordas do que realmente são e mesmo emagrecendo estão constantemente insatisfeitas com a sua aparência. Para perderem peso fazem jejum quase completo, podem abusar de laxantes, diuréticos ou anorexígenos, podem fazer exercícios excessivamente e provocar o vômito. 

Frequentemente, a paciente expressa crenças disfuncionais sob a forma de afirmações nem sempre conscientes e lógicas, como “se eu ficar mais magra, então eu poderei ser feliz, ser aceita.”

Bulimia nervosa (BN)

Pessoas com BN apresentam episódios recorrentes de binge-eating. Isto é, ingerem, em um período limitado de tempo, uma quantidade de alimento que é claramente maior do que a maioria das pessoas comeria durante um período de tempo semelhante, em circunstâncias semelhantes. Tais episódios são desencadeados por estados de humor ansiosos, de mal-estar ou de desconforto. 

O binge-eating é utilizado pelas bulímicas como distração de pensamentos desagradáveis, como uma forma de se dar prazer, reduzir sentimentos de tédio e solidão e alívio do rigor e da monotonia da dieta rígida. Porém, geram culpa, sentimento de fracasso e medo de engordar. Reforça a crença de que se relaxar na dieta perderá o controle sobre ela. 

Empenham-se em comportamentos compensatórios inadequados para prevenir o ganho de peso, tais como:

  • Vômitos auto-induzidos,
  • Uso inadequado de laxantes, diuréticos e moderadores do apetite,
  • Dieta restritiva,
  • Jejum ou exercícios excessivos. 

Aspectos em comum nos dois transtornos

A auto-avaliação das anoréxicas e das bulímicas são inadequadamente influenciadas pelo seu peso e formato corporal. Ambas supervalorizam a forma corporal e do peso. 

Muitas vezes, anoréxicas e bulímicas têm dificuldade de agir de forma autônoma. Apresentam, na maioria das vezes:

  • Baixa autoestima,
  • Ansiedade interpessoal aumentada,
  • Dificuldades para expressar seus pensamentos e sentimentos.

Percebem-se como inadequadas em muitas áreas de funcionamento pessoal ou social e como incapazes de lidar com problemas de modo geral, o que dificulta sua independência. Creem que têm pouca capacidade de controle sobre sua vida e restringem a sua alimentação porque isso lhes dá sensação de controle e adequação. 

O tratamento deve ter enfoque multidisciplinar pois há a interação de fatores socioculturais, familiares, biológico e psicológicos.O acompanhamento de psicólogos, psiquiatras, nutricionistas, endocrinologistas, clínicos gerais e terapeutas familiares poderá ser necessário.

A Terapia Cognitivo-comportamental no tratamento da bulimia e da anorexia

As pacientes com TAs apresentam crenças disfuncionais acerca do peso corporal, formato corporal, alimentação e valor pessoal, os quais são significativos para o desenvolvimento e manutenção dos TAs. A modificação dessas crenças é fator crítico para o tratamento.

Muitas vezes a magreza é o único parâmetro considerado para a auto-avaliação. Há a crença de que a magreza é essencial para a obtenção de seus objetivos de vida e atribuem seus problemas ao fato de não estarem com boa aparência ou não estarem magras o suficiente. Um dos objetivos da terapia poderá ser o aumento da autoestima da paciente, reconhecendo que ela possui qualidades que não estão sendo consideradas e valorizadas, e que são deixadas de lado pelo fato de não se estar magra. 

Para a paciente com AN a terapia poderá ter como meta facilitar o aumento de peso e diminuir as alterações de percepção corporal, e para a paciente com BN a meta poderá ser normalizar o padrão alimentar e desenvolver estratégias para o controle dos episódios de binge-eating e comportamentos compensatórios/purgativos.Tais metas não serão impostas, mas apenas sugeridas. A paciente escolherá suas metas para a terapia. Para a TCC, paciente e terapeuta são colaboradores para o alcance de uma meta comum. 

Não tenho transtorno alimentar, mas tenho crenças de menos valia relacionadas à imagem corporal

Muitas mulheres têm crenças de menos valia relacionadas à imagem corporal (“se não for magra não terei valor” ou “ser magra é essencial para a obtenção de meus objetivos de vida”) mesmo não tendo transtornos alimentares como a BN e a AN, e apresentam baixa autoestima por não se sentirem suficientemente magras ou em forma.

Essas mulheres, todavia, também poderão se beneficiar fazendo terapia de abordagem cognitivo-comportamental. Tais crenças serão vistas em terapia e a paciente poderá aprender a modificá-la. Isso contribuirá para a melhora de sua autoestima e bem-estar pessoal.

 

Referências Bibliográficas:

BECK, Judith S. Terapia cognitiva: teoria e prática. Trad. Sandra Costa. Porto Alegre: Artmed, 1997.

FINGER, Igor da Rosa; OLIVEIRA, Margareth da Silva. A prática da terapia cognitivo-comportamental nos transtornos alimentares e obesidade. Nova Hamburgo: Sinopsys, 2016.

RANGÉ, Bernard. Psicoterapias cognitivo-comportamentais: um diálogo com a psiquiatria. Porto Alegre: Artmed, 2001.

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