O crescimento infantil sob o olhar da Psicoterapia Gestalt 

O crescimento infantil sob o olhar da Psicoterapia Gestalt 

A Gestalt-Terapia é uma abordagem fenomenológico-existencial e humanista com uma visão holística de homem e mundo. Ela dá prioridade às relações interpessoais, onde valoriza a influência mútua entre criança e ambiente.  

Os fenômenos psicológicos emergem das trocas ocorridas na unidade criança-outro-mundo, no “entre” das relações humanas. Portanto, a doença emocional é fruto de uma disfunção nas relações. A criança que surge no consultório, adoecida emocionalmente, revela uma família igualmente adoecida em suas relações afetivas.

Os distúrbios psicológicos da criança são, geralmente, oriundos dos dramas infantis não resolvidos dos pais que são projetados na criança.  

Distúrbios psicológicos infantis: Como a Gestalt-terapia os compreende?  

Na perspectiva gestáltica, doença significa perturbações da autorregularão organismica, originadas por mecanismos psicológicos defensivos que surgem nas fronteiras de contato, que tentam inibir a consciência de sentimentos, pensamentos, necessidades, comportamentos, gerando extrema angústia.  

Para alguns pais, criança não sofre, não tem depressão, não tem ansiedade, não guarda ressentimentos ou mágoas de situações dolorosas vividas. Muitos pensam que a criança vive em um mundo de ilusão, fantasia, brincadeiras, alienada dos acontecimentos da vida.  

A realidade de um psicoterapeuta de crianças revela o contrário: a criança está ligada no mundo e principalmente naqueles que lhe são significativos. Todo sofrimento percebido em seu entorno afeta profundamente seu comportamento, suas emoções e a forma de ver a si mesma e ao mundo, a ponto de gerar perturbações psicológicas que não são esquecidas pela criança, e sim soterradas para que ela consiga sobreviver.  

Por ter uma forte sensibilidade sensorial e afetiva, a criança é capaz de captar as nuances emocionais e as alterações de humor das pessoas com quem convive e, em seu egocentrismo primário, toma-as para si como se ela fosse a fonte dos problemas, da tristeza, da raiva dos pais (OAKLANDER, 2006).

Um mundo não tão “cor-de-rosa” para algumas crianças 

A infância feliz, protegida, segura, não existe para muitas crianças, infelizmente. Crianças que vivem em ambientes desfavoráveis, hostis, desamorosos, precocemente criam adaptações disfuncionais para a manutenção do equilíbrio emocional próprio e da família.  

A capacidade que a criança tem de descobrir formas criativas para enfrentar um ambiente estressante, hostil ou negligente é fantástico, uma vez que a dimensão sensorial/intuitiva predomina em sua existência.  

Perls, Goodman e Hefferline (1997) afirmam que “a psicologia é o estudo dos ajustamentos criativos […] a psicologia anormal é o estudo da interrupção, inibição ou outros acidentes no decorrer do ajustamento criativo” (p. 45).

O ajustamento criativo representa o processo dinâmico e ativo de interação da pessoa com o ambiente para solucionar situações e restaurar a harmonia, o equilíbrio, a saúde do organismo, o qual se dá por meio da autorregularão (processo espontâneo e inato em nosso organismo), onde mostra a satisfação das necessidades primordiais do momento, considerando as possibilidades ambientais.  

Portanto, nem sempre o meio atende às necessidades primárias da criança que, para se autorregular, modifica a necessidade original, realizando um ajustamento criativo de acordo com suas possibilidades do momento presente.

Uma infância saudável: Estabelecendo trocas saudáveis com o ambiente 

Já a criança saudável, fruto do ambiente também saudável, possui a capacidade de manter um contato nutritivo consigo e com o outro, desenvolve boa capacidade para lidar com a ansiedade e com momentos de tensão. É capaz de esperar, consegue adiar a gratificação e tolerar a frustração (BRIGGS, 1986).  

Aprende que amar é estabelecer troca com o outro, o que a torna capaz de dar e receber, efetuar condutas de reparação, preocupar-se com o outro e assumir responsabilidades de acordo com sua etapa do desenvolvimento (WINNICOTT, 1983), mostrando que apresenta mecanismos flexíveis de ajustamento criativo e de adaptação às demandas das situações.

Diagnóstico e tratamento infantil: Uma perspectiva holística 

O diagnóstico contém as sementes da cura, Hycner (1995), e ao tratar das patologias segundo o enfoque existencial-dialógico enuncia que “o problema do diagnóstico é que ele contém as sementes da cura” (p. 127).

Esse enunciado pontua que na doença há saúde. Na perspectiva gestáltica, o problema constituído é parte da existência da totalidade da pessoa e revela uma dinâmica psicológica tentando se organizar criativamente da melhor forma possível para manter a saúde psíquica.  

Psicodiagnosticar representa um processo de conhecer, compreender, identificar, descobrir, explicitar o modo de existência da criança na sua interação com o mundo (escola, vizinhança, família) e o outro, o qual se apoia nos princípios dialógicos existencialistas de aceitação, respeito, validação e certeza do potencial criativo do ser humano.  

Mesmo quando diagnosticamos um quadro de depressão em uma criança, não devemos nos limitar a ver e tratar a criança unicamente pelos sintomas que apresenta, mas sim buscar desvendar as qualidades ocultas, as necessidades não satisfeitas, os desejos reprimidos e a identidade obscurecida.  

Diagnostica-se, portanto, patologias e não pessoas. O gestalt-terapeuta tenta compreender a pessoa adoecida, uma vez que a doença não existe por si só, está contextualizada dentro das relações familiares e sociais.

O diagnóstico deve ir além da identificação dos sintomas, precisa visar o sentido da patologia e a descrição das vivências subjetivas do sofrimento emocional. Quando não sabemos o que a criança tem, quando não nomeamos, não podemos cuidar, tratar com eficácia e muito menos orientar devidamente os pais.  

A Gestalt baseada em uma visão holística tem uma percepção curiosa a respeito da descoberta das relações funcionais e significativas que se estabelecem entre parte-todo, figura-fundo, buscando integrar as dimensões internas e relacionais da criança e desocultar a força criativa que existe por trás de um sintoma ou patologia.

A participação da família no diagnóstico terapêutico infantil 

Portanto não há como tratar a criança sem atender os pais, a família (às vezes a escola e outros sistemas da comunidade). A fantasia, tão negligenciada pelos adultos, é por excelência o modo pelo qual a criança cria e modifica a sua realidade, passando a ser a nossa mais importante ferramenta no manejo com a criança.

Fantasiar é criar um espaço onde os encontros impossíveis acontecem. Brincar é uma atividade inerente ao desenvolvimento humano e merece todo respeito, atenção e validação.

Enquanto adultos, dentro do ambiente seguro do consultório de um Gestalt-Terapeuta, podemos resgatar o olhar perdido da criança que há em nós, procurando restabelecer uma forma mais saudável de ser. Fantasiamos para criar, para transformar, permitindo que através das imagens de nossa fantasia, um fluxo de energia renovadora se expresse. Este é um processo através do qual podemos tentar restabelecer o contato e a percepção dos muitos “eus” que nos compõem.

Podemos usar um pouco de Psicanálise para “falar sobre” a fantasia, considerar a sua função de ponte entre a vida consciente e inconsciente, falarmos sobre a necessidade da fantasia para a evolução do pensamento simbólico, ou ainda como uma herança da “mãe suficientemente boa” dentro de nós, que nos permite criar e crescer.

A abordagem da Gestalt-terapia aplicada ao tratamento infantil  

Na psicoterapia com crianças, a abordagem gestáltica oferece uma possibilidade de reorientar as funções de contato (ver, ouvir, sentir, falar, etc.) de forma a apoiar seu desenvolvimento de uma forma mais organísmica, isto é, orientado por suas reais necessidades de desenvolvimento global.  

Trabalhando no sentido de ressignificar com a criança e a família atitudes e concepções baseadas nas introjeções recebidas familiar e socialmente, onde rótulos tais como: “é uma criança agressiva”; “não gosta de estudar “; “é muito tímido e não conversa com ninguém” entre outros, criam uma condição que distorce a imagem da criança diante de si mesma e em seu ambiente, cristalizando muitas vezes atitudes que fixam os problemas, em vez de resolvê-los.  

Através do uso da fantasia, a criança pode brincar de ser isto ou aquilo, explorar novas possibilidades de ser, escolher e se apropriar de novas condutas O brincar pode favorecer, tanto na criança quanto na família, a compreensão e atuação de uma dinâmica familiar adequada em relação às novas possibilidades. 

Para que isso ocorra de modo satisfatório, nada como um ambiente amoroso, acolhedor, que possa direcionar a criança à sua maior capacidade de cura e auto regulação e conduzi-la à seu potencial, através de um vínculo saudável com uma psicoterapeuta que a perceba inteira, de pessoa a pessoa. 

Psi Juliana Viegas  

CRP: 05.32487

Referências 

  1. http://www.revispsi.uerj.br/v9n2/artigos/pdf/v9n2a07.pdf 
  2. Os ajustamentos criativos da criança em sofrimento: uma compreensão da gestalt-terapia sobre as principais psicopatologias da infância Creative adjustments for suffering children: a gestalt-therapy view of the main childhood psychopathologies, Sheila Maria da Rocha Antony 
  3. Psicóloga da Secretaria de Estado de Saúde do Distrito Federal-SES/DF, Brasília, DF, Brasil  
  4. Docente do Instituto de Gestalt-Terapia de Brasília–IGTB, Brasília, DF, Brasil
Juliana Franco Vaz Viegas
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