Você já se perguntou por que ainda não iniciou o processo terapêutico?

Você já se perguntou por que ainda não iniciou o processo terapêutico?

Em meu consultório, ao receber um paciente novo no serviço, costumo perguntar se é sua primeira experiência com psicoterapia e o que lhe trouxe até ali. É impressionante o número de pessoas que afirmam possuir o desejo, curiosidade ou necessidade de iniciar a terapia há anos, mas adiavam esse processo até então.

Quando questiono o porquê, a maioria afirma que, por alguma razão desconhecida, sempre procrastinou a ida ao psicólogo, alguns alegam falta de tempo – ainda que tivessem tido tempo para procurar ajuda anteriormente com médicos, coachings, livros de autoajuda, tarólogos ou líderes religiosos – e há também aqueles que admitem que sentiam um medo inexplicável de fazer terapia.

Diante disso, proponho-me no texto que vem a seguir, esclarecer de onde vem esse medo e quais as possíveis razões para os consultórios psicológicos serem tão evitados.

E você, já se perguntou por que ainda não buscou iniciar o processo terapêutico?

Antonio Quinet, psicanalista conceituado na atualidade, afirma que a fantasia é a janela do mundo de cada um de nós. O que isso significa? Que é através da fantasia que o sujeito, recolhido em seu mundo interior, sente-se seguro para observar as possibilidades que o mundo externo o oferece.

Quinet (2002) afirma: “A fantasia é o que dá enquadramento da relação do sujeito com a realidade: sua janela para o mundo. É dela que o sujeito tira a segurança do que fazer diante das situações que a vida lhe apresenta. A análise, ao levar o sujeito a atravessar a fantasia, promove um abalo e uma modificação nas relações do sujeito com a realidade, levando-o a uma zona de incerteza, pois ele é largado pela âncora da fantasia.”

Há aqueles que passam a vida observando o mundo lá fora somente através da janela, na ilusão de as fantasias elaboradas diante do que veem corresponder à realidade. É a famosa zona de conforto. Sabemos o quanto a realidade pode ser ameaçadora, de modo que em alguns momentos é preferível nos fecharmos em um ambiente seguro para não correr o risco de se decepcionar.

Quando estamos acomodados, estamos menos propensos a sentir insegurança, medo, angústia e ansiedade. É por isso que muitos permanecem nesse lugar. Entretanto, essa zona, apesar de cômoda, aprisiona o indivíduo a uma visão e experiência de mundo limitada e, muitas vezes, cruel. Se fizermos as coisas sempre da mesma forma, não desfrutaremos de nada além do que já possuímos. Se permanecemos sempre no mesmo lugar, teremos sempre os mesmos problemas. 

Quantos de nós já não deixamos de tentar algo novo por medo de fracassar? Ou nos ressentimos ou nos afastamos de pessoas de nosso convívio por paranoias que sequer eram reais? É recorrente no consultório relatos de pessoas que deixaram de viver boa parte de suas vidas como gostariam por receio de consequências que, muitas vezes, não correspondiam à realidade quando, enfim, conseguiam colocar seus desejos em prática – isso depois de um longo processo terapêutico. E somente assim, puderam entender que todas as questões que os aprisionavam anteriormente não passavam de fantasias. 

Como enxergar a plena realidade dos fatos?

De acordo com a psicanálise, não é possível renunciar às fantasias por completo. O que conhecemos por realidade é sempre produto da realidade psíquica: registro interpretativo próprio de cada um. É como se, ao observamos um fato, este passasse por filtros que foram elaborados diante de nossas vivências, desejos e traumas. Filtros esses que são permeados de aspectos inconscientes. Isso significa que nossa percepção do mundo externo é distorcida por aspectos internos desconhecidos por nós mesmos.

Essa visão parte do pressuposto de que toda opinião e comportamento são carregados de uma história pessoal, ainda que não possamos detectar isso com clareza. Isso porque nossas experiências, desde o início da vida, são registradas em nosso aparelho psíquico e consultadas antes de fazermos escolhas. Entretanto, esse processo nem sempre se dá de modo consciente. Há acontecimentos que fogem à consciência devido a sua dimensão traumática, levando o aparelho psíquico ao recalque como mecanismo de defesa, na tentativa de poupar o indivíduo do sofrimento.

Outros sequer são simbolizados, ou seja, nunca chegaram a ser elaborados, como em casos de acontecimentos vivenciados na primeira infância, onde não se havia repertório para compreender o significado de uma vivência, mas que, mesmo assim, deixou marcas. 

Conforme o desenvolvimento dos meios de produção, as pessoas se afastaram ainda mais de tais aspectos inconscientes, uma vez que não há mais tempo para viver o vazio, refletir sobre a vida e entrar em contato com os sentimentos mais profundos. Somos cobrados por um excesso de produtividade que nos levou a viver no modo automático e não temos real dimensão da complexidade por trás do que fazemos ou pensamos. 

O que fazer, então?

Se não podemos compreender a plena realidade dos fatos, espera-se que possamos ao menos compreender nossa própria realidade psíquica. É aí que entra a importância da psicoterapia, que possibilita que o sujeito entre em contato com seus aspectos mais profundos para que se possa, então, agir sobre eles.

Sigmund Freud, criador da psicanálise, desenvolveu seu método terapêutico a partir da concepção de que ao entrarmos em contato com nossos aspectos mais sombrios, criamos artifícios para compreende-los e, assim, enfrenta-los. É preciso ter consciência de uma situação para que se aprenda como controlá-la.

Assim, o indivíduo encontra os recursos necessários para atravessas as fronteiras da fantasia. Lembrando que atravessar a fantasia não significa elimina-la por completo, mas explora-la para que, assim, possa se reconhecer seu caráter fantasmático. Sem esse atravessamento, não podemos sair do lugar: nos tornamos reféns de nossas próprias fantasias inconscientes. Ficamos paralisados sem nem entender o porquê.  

É o autoconhecimento que nos permite ir adiante, através de um exercício de reflexão e autonomia, onde o sujeito participa ativamente da construção de sua própria realidade.

Sua mente cria o seu mundo, cuide de sua saúde mental.

 

Referências: 

QUINET, Antonio. As 4+1 condições da análise. Rio de Janeiro: Jorge Zahar Editora, 1991

BETTELHEIM, Bruno. Freud e a alma humana. Editora Cultrix, 1988

Amanda Sena de Matos Oliveira
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