Olá a todos, a todas e todes, como está sua jornada hoje? Vocês provavelmente já testemunharam ou disseram esta frase que é título da nossa conversa. Esta expressão é quase que um personagem da nossa cultura popular, sempre chamada para defender aqueles que não encontram respostas sensatas para explicar porque não cuidam da própria saúde. Se você exercitar sua memória, assim como eu fiz, você provavelmente vai encontrar homens se utilizando desse tipo de desculpa, ou mesmo perceberá que o pretexto pode se tornar, em alguns casos, a forma integral como o sujeito lida com a própria saúde. Mas tudo bem, eu já fiz isso, alguns de vocês também, então, será que há um porque de nós homens agirmos assim?
Um estudo vinculado à Fundação Oswaldo Cruz(1) aponta que os homens buscam menos os serviços de saúde do que as mulheres, além de serem também os que mais padecem de condições crônicas e severas de saúde. A pesquisa nos mostra que a relação do homem com a saúde está atravessada por um ideal de homem centrado no ser invulnerável e provedor, que afeta diretamente a forma como este olha para o próprio cuidado. Por conta desses fatores, o homem passa a buscar ajuda apenas quando a dor é insuportável e/ou o emprego está ameaçado por alguma incapacidade de produzir, ou seja, quando os dois pilares existenciais são afetados: a invulnerabilidade e o trabalho.
O modo como os homens escolhem administrar a própria saúde é profundamente afetado pela forma como se estruturou o ser homem nesta sociedade ao longo da história. “Seja homem”, “isso não é coisa de macho”, “deixe de frescura”, todas essas são frases popularmente direcionadas a crianças, meninos ou homens, que em algum momento sentiram uma dor, estavam em um momento de fragilidade, ou simplesmente se interessam por algo que não condiz com a masculinidade esperada por aquele grupo social. Você provavelmente ouviu ou mesmo disse algo assim, mas não necessariamente já refletiu para o impacto que essas questões podem ter na sua vida e na de outros homens.
A ideia de masculinidade hegemônica
Tudo bem, então a pergunta é: o que exatamente estamos tentando achar quando procuramos? Não sei vocês, mas o psicólogo que aqui escreve não acredita que essa frase do título do texto se refira apenas a algo que está no corpo, como uma doença com a qual o homem não gostaria de lidar. O ato de cuidar, para os homens, ganha uma complexidade que vai além do biológico, sua compreensão passa pela história, pelo ambiente, está na estrutura da nossa sociedade. Entender o que é ser homem ou do que é a tal chamada masculinidade, podem ajudar na construção desta reflexão, uma vez que são constantemente evocadas nesses momentos.
Em um artigo publicado pela revista Ciência & Saúde Coletiva(2), neste ano de 2021, os pesquisadores apontam que independente da situação econômica ou da formação educacional, os homens escolhem definir o que é ser homem a partir de uma oposição à figura feminina. Esta masculinidade parece não possuir as suas próprias particularidades, pois aparece nas falas como uma espécie de negação do “ser mulher”, contudo, um “ser mulher” a partir da visão de uma sociedade machista, que estereotipa e causa tanta dor.
No sentido do masculino como algo do não feminino, os depoimentos do artigo acima mostram que falar sobre adoecer é visto como um sinal de fraqueza, longe da ideia de ser invulnerável, um dos eixos principais de construção dessa masculinidade da qual estamos falando. O segundo pilar dessa construção, como mencionamos, aparece enraizado na relação do homem com o trabalho. Para homens que precisam utilizar o sistema público, pagar não é uma opção, tão pouco perder um dia de trabalho nas filas do sistema público de saúde, pois ser provedor é ser homem e não há atendimento fora do horário comercial.
Por ser uma noção de homem amplamente encontrada, os trabalhos científicos identificam essa masculinidade retratada nos depoimentos e falas dos entrevistados como um modo hegemônico de homem em nossa sociedade. Assim, dentro deste jeito de existir social, parece que o sentir, ou a sensibilidade de entender o que causa a dor, está barrado, impedido por uma forma de ser no mundo que entende esta ação como algo do “feminino”, ou seja, algo que não pertence aos “homens”.
Refletir, respeitar e ressignificar
Entender as especificidades do que é ser homem e a ideia de masculinidade pode oferecer caminhos para que todos os sujeitos encontrem saúde física e mental. Cuidar e ser cuidado são, sim, qualidades que podem pertencer aos homens, mesmo que o papel social da masculinidade tente não permitir. A ideia de homem não pode ser uma simples negação do feminino, tem em si significados e significantes que precisam ser explorados, sentidos que precisam ser descobertos, para que possamos respeitar e ressignificar o papel do homem enquanto membro desta comunidade.
Refletir, respeitar e recomeçar, estes três R’s me acompanham ao longo da vida e são muito úteis quando me vejo diante de novos acontecimentos que me provocam e questionam a forma como eu me estruturo diante da vida. Por isso, sempre abra espaço para refletir sobre aquilo que surge de novo, mesmo que entre em conflito com o que você pensa e acredita. Quando acontecer, respeite, lembre-se de que há na sua frente um outro alguém, com sentimentos e sentidos que você talvez goste muito de conhecer. E por fim, ressignifique, com ideias novas, recomece a conversa, recomece o encontro, sempre há tempo, a mudança não precisa ser dolorosa, ela pode ser criativa, pode nos preencher de vida.
Para terminar, deixo um singelo conselho. A saúde mental está presente em uma forma equilibrada de viver e em nossa capacidade de sermos flexíveis nos momentos que entramos em contato com o outro. Procurar mais acolhimento, encontrar mais saúde, procurar por ajuda quando estamos sofrendo é mais do que um ato de cuidar, é também um ato cívico, pois quando nos cuidamos, cuidamos do outro, cuidamos da nossa comunidade e investimos em um mundo mais vibrante e cheio de possibilidades.
Então, quero ouvi-los agora. Deixe seu comentário e me responda: Você já procurou entender do que se trata a masculinidade?
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Referências
- Gomes, R; Nascimento, EF; Araújo, FC. Por que os homens buscam menos os serviços de saúde do que as mulheres? As explicações de homens com baixa escolaridade e homens com ensino superior. Cadernos de Saúde Pública [online]. 2007, v. 23, n. 3 [Acessado 18 Novembro 2021] , pp. 565-574. Disponível em: <https://doi.org/10.1590/S0102-311X2007000300015>. Epub 22 Fev 2007. ISSN 1678-4464. https://doi.org/10.1590/S0102-311X2007000300015.
- Silva, RP; Melo, EA. Masculinidades e sofrimento mental: do cuidado singular ao enfrentamento do machismo?. Ciência & Saúde Coletiva [online]. 2021, v. 26, n. 10 [Acessado 18 Novembro 2021] , pp. 4613-4622. Disponível em: <https://doi.org/10.1590/1413-812320212610.10612021>. Epub 25 Out 2021. ISSN 1678-4561. https://doi.org/10.1590/1413-812320212610.10612021.
Para tanto, a abordagem clínica que eu utilizoé o acolhimento e a escuta sensível como forma de entender as questões e demandas de cada pessoa, a partir de uma entrevista preliminar nas primeiras sessões. Durante todo o processo clínico, a psicanálise será a linha teórica e prática que farei uso no manejo durante a análise, pois acredito que vai nos oferecer ferramentas riquíssimas para potencializar as trocas que acontecerão a cada sessão.
O sofrimento está presente em todas as formas possíveis dentro da sociedade na qual vivemos, contudo, isso não quer dizer que sofrer seja algo natural, mas sim, que se trata de uma forma de existir adoecida da qual podemos e vamos tratar juntos, com ética, sigilo, técnica e empatia. Acesse a minha agenda e marque nossa primeira sessão.
- Quem procura, acha! - 6 de dezembro de 2021