E quando suas questões emocionais se mostram no seu corpo?

E quando suas questões emocionais se mostram no seu corpo?

Você já deve ter se perguntado sobre suas dores e sobre a falta de justificativa para a existência delas; os médicos não encontram razão em seus exames e você permanece tomando remédios para suportar diferentes tipos de dor, enquanto não faz ideia do que pode causá-las.

Hoje, existem muitas teorias que procuram explicar a razão do corpo sentir tanto sem uma questão orgânica aparente. O corpo pode mesmo experienciar aquilo que tem início na mente?    

Existe um lugar em nosso aparelho psíquico que abriga todas as nossas experiências, desde o nosso nascimento, e este lugar se chama inconsciente. Quando algumas percepções se tornam configurações ligadas a algum tipo de sofrimento, a compreensão sobre elas se torna obscura, difícil de acessar e de entender; acabamos por sofrer por algo que absorvemos negativamente em algum momento, mas que não lembramos, ou sequer temos conhecimento. 

Cada um reage de uma forma diferente às interpretações que elaboramos das vivências que temos. Um desentendimento com alguém próximo, um conflito familiar, uma situação traumática, etc. Uma percepção – equivocada ou não – pode resultar em sufocamento do que sentimos.

Sufocamos nossos sentimentos quando não os entendemos, não os aceitamos ou quando nos sentimos oprimidos para tal. Geralmente, escondemos aqueles afetos com os quais não sabemos como lidar. Quantas vezes você pensou tardiamente: “Devia ter dito tal coisa, “deveria ter me defendido”, “não posso sentir isso por tal pessoa”, etc. 

E, são justamente esses pensamentos e as fantasias que se formam sobre eles, que se alojam num lugar inacessível a nossa consciência, e de lá ficam esperando o momento em que poderão se manifestar: como por exemplo, através de dores não justificadas. E isso acontece desde nossa primeira infância, o que se torna ainda mais complexo, já que enquanto bebês e crianças não sabemos ainda como nos expressar sobre o que sentimos e percebemos.   

 

A cura pela fala

Enquanto psicanalista, gostaria de visitar as referências que Sigmund Freud (1856 – 1939) nos deixou. No início de seu percurso na psicanálise, Freud, que era um médico neurologista, pesquisou sobre mulheres que sofriam com diferentes sintomas e que eram, até então, consideradas insensatas, “loucas”.

Elas padeciam de diversos sintomas: desmaios, vertigens, surdez, paralisia corporal, mudez, catatonia, insensibilidade corporal, dores localizadas intensas e muitos outros. Essas mulheres não recebiam tratamento porque os médicos não conseguiam diagnosticar o que elas sentiam, já que eles realizavam exames e testes e nada parecia apontar a causa: elas não tinham nada no corpo, nada biológico que pudesse justificar tais sintomas.              

Freud, então, orientado e acompanhado por outros profissionais que questionavam estas circunstâncias, resolveu tentar escutar essas mulheres, e depois de atentar-se para alguns casos, ele começou a entender que algo para além da questão física atravessava o aparelho psíquico delas, e se mostrava através do que ele chamou de histeria de conversão: uma forma de converter um sofrimento psíquico em sofrimento físico.

Escutando essas mulheres, Freud observou que elas tinham questões difíceis, traumáticas, que se mantiveram inconscientes; e na medida em que elas começaram a falar sobre suas experiências, o conteúdo que estava retido no inconsciente foi se tornando material da consciência, e seus sintomas foram desaparecendo.

Neste momento, ele passou a se referir a este processo como “a cura pela fala”. Ao longo de seus estudos, Freud modificou alguns conceitos, e percebeu inclusive a importância, fundamental, do aprofundamento nas experiências e elaborações sexuais do paciente como causalidade de sintomas, visto que muitos desses representam uma tentativa de melhor relacionamento com a sexualidade, com a satisfação de desejos reprimidos.

 

Como essas questões aparecem atualmente     

Algo que Freud começou a investigar no século XIX permanece profundamente atual, vide os casos notadamente crescentes de depressão, dores crônicas, fibromialgia, crises de pânico, transtornos alimentares.

Importante apontar que, o que foi descoberto enquanto algo da mulher, também aparece nos homens, embora em menor frequência. Estas formas de exteriorização das angústias recalcadas no Inconsciente são algumas das formas de deslocar o sofrimento psíquico para o físico.

Há casos em que o sofrimento aparece através das fobias, dos hábitos exageradamente realizados, dos pensamentos excessivamente constantes; pretendo falar sobre estes casos em outro momento. Vale apontar que ainda temos algo muito pontual que propicia e acentua os casos de desorganização psíquica: a “indústria da felicidade”, essa cultura que impõe que todos devem ser felizes, que todos precisam ser felizes o tempo inteiro, e que quem não é feliz, é doente ou fracassado; mais uma fantasia que faz parte do coletivo e que causa grandes problemas individuais.

A razão para que cada pessoa sofra de um modo particular se deve à sua história, a suas questões ligadas aos seus laços familiares, sociais; deve-se àquelas experiências que não foram bem assimiladas e/ou traumáticas. 

Como a psicoterapia pode ajudar

Quando o sujeito se dá conta que está incomodado, sofrendo, que precisa conversar sobre isso com alguém, ele deve procurar algum tipo de atendimento psicoterápico; o acesso ao tratamento vai ajudá-lo a falar, de forma livre, sobre aquilo que você sabe de sua vida, para que venha à tona aquilo que você não tem conhecimento – e que consegue provocar tanto sofrimento. 

O tratamento psicanalítico, especificamente, é baseado num método que Freud chamou de associação livre, onde o paciente é convidado a falar naturalmente sobre tudo que o toca, o incomoda; sobretudo, acerca do que vem à sua mente naquele momento.

“Nada acontece em um tratamento psicanalítico além de um intercâmbio de palavras entre o paciente e o analista. O paciente conversa, fala de suas experiências passadas e de suas impressões atuais, fala de suas experiências passadas e de suas impressões atuais, queixa-se, reconhece seus desejos e seus impulsos emocionais.” (FREUD, 1916).

Através da técnica psicanalítica é possível deduzir dos sintomas os conteúdos inconscientes, suas fantasias, e então torná-las conscientes para o paciente. 

Em psicanálise não costumamos falar sobre cura, sobre resolução de todos os problemas. Partindo de um pressuposto mais realista, procuramos trabalhar junto com o paciente para que ele entenda suas dores, entenda suas frustrações e, com o tempo, aprenda a lidar melhor com isso tudo, de forma menos sofrida.

A importância do tratamento se dá no deslocamento do olhar do paciente: ele deixa de se conectar somente com as fantasias que elaborou sobre sua vida e as pessoas que o cercam, e passa a perceber o mundo de forma mais sensata, mais madura.

 

Referências Bibliográficas:

FREUD, Sigmund. Conferências Introdutórias sobre Psicanálise. Rio de Janeiro, IMAGO, 1976.

FREUD, Sigmund. Um caso de histeria; Três ensaios sobre sexualidade e outros trabalhos. Rio de Janeiro, IMAGO, 1976.

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