A emergência da pandemia da Covid-19 e as ações de isolamento e distanciamento social impactam diretamente sobre a saúde mental e emocional da população. Durante tamanha crise, as perspectivas de vida e de futuro minguam, as esperanças se esvaem e viver parece perder o sentido.
O índice de suicídio tem aumentado diante das dificuldades que enfrentamos durante a pandemia. Para aquelas pessoas que já enfrentavam momentos de muito sofrimento e fragilidade emocional antes deste período crítico, a situação se agrava. Assim, toda a atenção e cuidado para a prevenção e posvenção em relação a ideações e comportamentos suicidas são necessários.
Eleva-se o número de suicídio em períodos críticos da história
É sabido que eventos extremos vividos durante a história da humanidade tem relação com o aumento relevante do número de suicídios. Podemos observar isso, por exemplo, na grande crise da Bolsa de Nova York de 1929. De um dia para o outro, milhares de pessoas perderam todas as suas posses e rendas. A falência e o desespero levaram muitas pessoas a tirarem suas próprias vidas.
O mesmo aconteceu durante o período crítico da epidemia da Gripe Espanhola. O pânico, a falta de estrutura e organização governamental e o próprio risco de contágio fez com que o índice de suicídio aumentasse.
A atmosfera em torno dessas crises sociais, econômicas e sanitárias é de terror, de medo, desesperança, tristeza, luto e desespero. A incidência e o agravamento dos transtornos mentais e de humor são intensificados e fatais.
Como perceber se estou em um momento crítico ou se alguém próximo a mim está precisando de ajuda?
O suicídio é um fenômeno social complexo e multifatorial. Não se restringe a nenhuma idade, classe social, raça, gênero ou orientação sexual. Incide sobre todas as diversidades possíveis e merece muita atenção e cuidado.
Pode se manifestar e ser percebido por meio de pensamentos, ideações, comportamentos ou atos que tenham como conteúdo, objetivo e/ou finalidade acabar com a própria vida. Pode ou não estar acompanhado de um histórico de transtornos mentais e de humor. Além disso, nem sempre os atos são pensados e planejados anteriormente ou a pessoa exibe sinais ou fala sobre seu desejo de morte.
É importante ficar alerta para:
- Sentimentos intensos como tristeza, raiva e sofrimento emocional,
- Histórico na família de suicídio,
- Violências,
- Transtornos mentais e uso de álcool e drogas,
- Apatia,
- Desinteresse,
- Desespero e desesperança em relação à vida,
- Distanciamento e isolamento afetivo,
- Falta de suporte e contato social,
- E interesse em meios para efetivar o ato suicida e/ou aquisição de materiais que possam ser utilizados para tirar a própria vida.
Além disto que expusemos acima, devemos nos atentar a pensamentos e atitudes que estão relacionados à exposição intencional, de forma consciente ou não, ao risco de contágio da COVID-19, levando em consideração o momento atual da crise pandêmica. Pode ser que a pessoa esteja desejando e/ou planejando intencionalmente se contaminar com a doença para que, assim, possa morrer.
O que fazer caso eu esteja passando por um momento crítico ou encontre alguém cometendo o ato suicida?
Se você é uma pessoa que está, neste momento, desejando morrer e não consegue enxergar outro fim para o seu sofrimento, você pode entrar em contato com algum profissional, pessoa amiga e/ou familiar ou ainda com o Centro de Valorização à Vida (CVV) discando 188.
Conversar e ser acolhido em seu sofrimento é importante. Dê voz à sua dor e permita ser ouvido. É compreensível que você se sinta sem chão, sem perspectivas, sozinho e incompreendido. Existem pessoas, profissionais, amigos e voluntários, dispostas a te acolher sem julgamentos.
Se você já faz algum tipo de acompanhamento psicológico e/ou psiquiátrico, ligue ou mande mensagem para o seu terapeuta. Expresse sua dor, fale das suas angústias e de como tem se sentido sem saída. Diga sobre seus pensamentos de morte e desesperança na vida. É importante que você possa partilhar isso para receber a ajuda e o suporte adequado.
Se você é próximo de alguém que tem pensado e expressado o desejo de morrer e sofre intensamente, procure acionar profissionais de saúde mental para que a pessoa possa ter acompanhamento e suporte. Caso você encontre a pessoa cometendo algum comportamento suicida, correndo risco imediato, acione o SAMU 192 e os familiares e profissionais que já estejam acompanhando a pessoa por ventura. É recomendável que a pessoa em risco não fique sozinha e que lhe seja garantido o atendimento adequado.
Prevenção e Posvenção: a necessidade de cuidado psicológico e emocional
Em tempos críticos que possuem tanto impacto sobre a saúde mental, não deixe de se cuidar. Procure se observar, perceber como tem se sentido e como as dificuldades sociais, políticas, econômicas e sanitárias derivadas da crise pandêmica têm afetado seu humor, seus desejos, seus pensamentos e seus comportamentos. Amplie o olhar sobre si mesmo, com afeto, atenção, respeito e cuidado.
Faça, na medida do possível, o que estiver ao seu alcance que lhe proporcione conforto e segurança. Pode ser uma comida gostosa, um momento relaxante de leitura, ouvir músicas, assistir um filme ou realizar meditações e exercitar sua espiritualidade, conversar com uma pessoa querida ou brincar com seu animal de estimação.
Se você não consegue reconhecer o que faz com que você se sinta mais confortável e seguro, experimente. Procure respirar fundo e aumentar sua atenção sobre si mesmo, buscando identificar suas sensações e compreendê-las de modo mais profundo e amplo. Permita-se descobrir pequenos cuidados consigo mesmo.
Além disso, é interessante que você possa buscar um auxílio profissional adequado. Procure reservar para você o direito à saúde mental com a ajuda de alguém competente. A psicoterapia deve ser um espaço de segurança e conforto, onde você construirá uma relação afetuosa e de confiança com o profissional, que lhe permitirá expressar aquilo que sente e deseja, sem julgamentos, suas angústias, dores e sofrimentos, redescobrir significados e sentidos para a sua vida e ser acolhido integralmente. Você não está e não precisa estar só. Busque ajuda. Desejo que se cuide e fique bem!
Matheo Bernardino – CRP-08/25791
(Psicólogo clínico de abordagem humanista-existencial)
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