Individuação ou como tornar-se Si mesmo

Individuação ou como tornar-se Si mesmo

O Si mesmo para Carl Gustav Jung

A psicologia analítica de Carl Gustav Jung se fundamenta na ideia de individuação, que significa tornar-se quem se é verdadeiramente. O processo da individuação consiste na tentativa de aproximação do eu, nossa autopercepção de identidade, com o Si-mesmo, uma concepção de um “eu” atemporal que seria a síntese de nossa totalidade, tudo aquilo que vivemos, o que iremos viver, quem somos, o que já fomos e o que iremos nos tornar. Enquanto conceito, o Si mesmo ou Self é a totalidade psíquica impessoal.

Mandala

A maneira mais fácil de compreender o Si mesmo é por meio do simbolismo do Mandala. Enquanto o centro do Mandala parece ser a convergência da totalidade em uma unidade, o Si mesmo é a concepção paradoxal do centro que é, ao mesmo tempo, as partes em convergência.

Essa ideia abre gancho para o próximo passo da discussão: Não nos tornaremos o Si mesmo, ainda que essa seja a meta do processo.

A meta da individuação enquanto fim a ser alcançado é “interrompida” pela morte, no sentido de que enquanto houver vida há caminho a ser percorrido. Não chegará um tempo que alguém irá alcançar o Si mesmo e, portanto, nunca veremos um ser humano plenamente individuado. 

Por que então a individuação é tão importante no pensamento dessa psicologia? Jung compreendia a vida a partir de uma perspectiva bem comum entre os povos antigos: Não importa tanto a chegada, o fim da vida, o topo da montanha. O que importa de verdade é o caminhar, o passo, a atitude diária e inclusive as oscilações entre tais atitudes que assim compõem e expressam a verdadeira totalidade.

A individuação e o Cristo enquanto arquétipo

Podemos fazer uma comparação didática da individuação na psicologia analítica com a imitação de Cristo no cristianismo, de modo que, por meio das semelhanças e diferenças, o tema seja mais facilmente assimilado.

Enquanto que na religião cristã postula-se um ser humano ideal na figura de cristo e, portanto, o fiel deve procurar tornar-se semelhante a Deus por meio do exemplo dado por Jesus de Nazaré, a ideia de individuação postula uma meta de tornar-se quem verdadeiramente  se é, seja lá o que isso represente.

Ou seja, enquanto a imitação de Cristo concebe uma aproximação de tudo aquilo que é iluminado, bondoso, misericordioso – apenas características culturalmente concebidas como positivas -, a individuação considera essencial o reconhecimento e integração de tudo aquilo que negamos ou tentamos esconder, mas que também pertence a nós.

Carl Jung disse que é impossível se tornar iluminado “imaginando figuras de luz”. Para tal meta, ele percebeu, por meio da prática da psicoterapia, que o caminho consistia em “adaptar os olhos à escuridão”, e desta forma nos tornarmos conscientes de nossa própria sombra

A experiência empírica levou Jung a compreender que “tudo aquilo que negas, te subordina”. Tudo aquilo que é reprimidamente excluído de nossas vidas ganha força ao se misturar com os conteúdos inconscientes. A tentativa de exclusão, eliminação daquilo que é chamado de “negativo” acaba dando força a tais conteúdos por desnivelar a balança do equilíbrio psíquico.

Individuação e individualismo

A individuação não é, ao contrário do que se pode imaginar, tornar-se individualista. A individuação, apesar de “fazer soltar as cascas” da cultura, as quais nos agarramos para evitar sermos o que somos, preconiza a necessidade de integrar a parte humana social, isto é, o ser humano é um ser social, precisa da comunidade e precisa também contribuir para com essa última. Ainda que a individuação nos retire da condição massificada, faz com que encontremos nosso lugar no âmago comunitário.

Nossa subjetividade, essa espécie de exclusividade da individualidade, encaixa-se na totalidade a partir da nossa função para e no mundo.

O atendimento psicoterapêutico é oportunidade de, por meio do encontro com o terapêuta/analista e dessa reflexão promovida, perceber facetas, arestas e contornos que possuímos, mas que não tinhamos percepção. 

A tomada de consciência que visa a psicoterapia, integrando todos os conteúdos de nossa personalidade, pretende, também, a elaboração dos conteúdos. Ou seja, ao tomarmos consciência e aceitarmos aquilo que tentamos afastar de nós, naturalmente aquilo que era desprezado/aterrorizante/vergonhoso, acaba sendo transformado pela própria ação da consciência.

Visa-se, com isso, o aprimoramento do instinto mais importante para a psicologia analítica: a criatividade.

O atendimento psicológico baseado na psicologia analítica

O atendimento psicológico, nessa perspectiva, orienta-se não para a cura ou eliminação dos sintomas e das queixas, mas sim para o conhecimento sobre si mesmo. Conhecimento que não pode e não deve ser apenas racional, lógico, mas sim vivêncial. 

É necessário que o conhecimento se pareça com o gosto das coisas, com o sentir, perceber, também atribuir valor e pensar. Envolve a integração das quatro funções psíquicas: sensação – cinco sentidos -, pensamento, sentimento e intuição.

O trabalho é orientado de modo que se reavive a imaginação, atividade psíquica do cliente, instruíndo-o a respeito da Psique, para que ele, o cliente, possa, assim, realizar-se, criar-se a si-mesmo no mundo de maneira criativa e, portanto, única.

O trabalho envolve a observação acurada de sonhos, fantasias, devaneios, impulsividades e demais comportamentos autônomos, de modo que seja possível perceber até onde vai o eu do cliente e onde começam os conteúdos dotados de vontade própria, cuja atividade pode causar alguns prejuízos para a vida consciente. 

Assim, o processo da psicoterapia se dedica a bordar – no sentido de criar, mas também referente a toda calma, paciência e zelo que o bordar evoca – uma atitude respeitosa, de cuidado e reverencia a esses outros conteúdos que existem dentro de nós, esquecidos, expulsos ou que aguardam a hora de se apresentarem.

É preciso também desmistificar um aspecto: todos os seres humanos no decurso de suas vidas estão seguindo a jornada da individuação, ela nada mais é que o percurso de nossas próprias vidas e não necessariamente desagua numa espécie de “evolução pessoal” ou “melhora da estrutura da personalidade”.

É possível seguir o caminho da individuação e retroceder. O movimento é espiralado, podendo avançar, recuar, recuar para avançar ou avançar para recuar. Não é linear.

Daí a importância da psicoterapia. Ainda que a individuação ocorra como um processo natural de viver a vida.

A ajuda de um profissional auxilia no reconhecimento de aspectos que habitam nossos pontos cegos, bem como abre um grande leque de potencialidades a serem elaboradas, posto que a escuta qualificada psicológica, além de organizar nossa narrativa, proporciona o reconhecimento de potencialidades ainda desconhecidas, esses tantos outros lados que podemos ter e que merecem oportunidade de expressão no mundo.

Tudo o que existe tem o direito de existir reconhece o pensamento budista e a psicologia analítica. O que não significa que não possa ser transformado pelo decurso do tempo.

Lucas Silva Felz
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