Como o machismo pode afetar a vida conjugal?

Como o machismo pode afetar a vida conjugal?

É comum recebermos no consultório mulheres se queixando de suas duplas jornadas de trabalho, do cansaço que sentem diariamente ao exercerem quase que sozinhas o trabalho envolvido na casa e no cuidados dos filhos.

Essas mulheres dizem sentir um profundo desapontamento com seus companheiros que parecem não perceber os inúmeros sinais de uma relação já desgastada. Muitas chegam ao consultório inquietas com a possibilidade de estarem dividindo sua vida com parceiros machistas e dizem não saber mais o que fazer para mudar o comportamento do marido.

O significado do termo machismo

Em primeiro lugar, precisamos buscar conhecer um pouco sobre o assunto. O termo “machista” deriva da palavra macho, na prática está associado a uma masculinidade exacerbada, a uma sensação de superioridade sob o feminino pautada unicamente no seu sexo e reafirmada através dos “deveres” para com a família.

Perpetuada durante anos por nossa sociedade que faz do homem o responsável pelo sustento e proteção da família. Em contrapartida, essa mesma sociedade instituiu também os deveres femininos como prioritariamente domésticos e maternais, fazendo com que a mulher se tornasse um ser submisso e sem voz ativa dentro e fora de casa.

É importante salientar que ao colocarmos a sociedade como produtora dos constructos de masculino e feminino estamos falando de sociedades seculares que repetiram século após século no íntimo de suas famílias os mesmos modelos de ser homem e de ser mulher.

Boa parte dessa construção foi caindo por terra lentamente, à medida que as mulheres através das inúmeras lutas feministas conquistaram o direito à escola e ao trabalho. No Brasil, a partir de 1950 esse movimento se intensificou e já era possível perceber nas faculdades números muito semelhantes de matrículas entre homens e mulheres.

Já o mercado de trabalho, embora recebesse as mulheres, não as aceitava em todas as funções e continuava a contratá-las principalmente para funções onde desempenhassem tarefas semelhantes às executadas em casa, além das funções de secretária e professora do ensino infantil.

Falar ainda, mesmo que de forma breve, sobre como homens e mulheres se constituíram é muito importante para o desenvolvimento de um pensamento crítico de nossa própria constituição, daquilo que nós acreditamos e por que muitas vezes nos vemos reproduzindo os comportamentos de nossas mães, pais e daqueles que de alguma maneira nos serviram de modelo em algum momento de nossa infância ou adolescência.

Essa reprodução inconsciente é inclusive muito trabalhada no consultório, quando uma mulher me pede ajuda para fazer com que o marido se comporte de maneira diferente em casa. É preciso entender o padrão de comportamento dessa mulher, e fazê-la pensar sobre esse comportamento.

É preciso fazê-la compreender que a terapia só é capaz de produzir ação nela mesma, e que muitas vezes o parceiro só irá mudar seus comportamentos se receber outros estímulos e respostas dentro do ambiente em que estão inseridos. 

Como identificar um comportamento machista

Neste momento muitas leitoras e leitores podem estar se perguntando como fazer para reconhecer o machismo em suas relações. Infelizmente ele ainda está introduzido na vida de toda a sociedade.

Machista não é apenas o homem que agride fisicamente uma mulher, que usa de violência psicológica para garantir que seus interesses permaneçam intactos ou que use de argumentos arcaicos para convencer a parceira de que ela lhe deve total obediência.

O machismo está nas pequenas coisas do dia a dia: na louça suja da pia que permanecerá lá até que a mulher a lave, nas obrigações com os filhos que são em maior ou total proporção deixadas sobre os ombros das mães, está na ideia de que a mulher deve abandonar seus sonhos em prol da maternidade enquanto o homem permanece com seu emprego e sua rotina.

Mas o machismo também está em nós mulheres, que muitas vezes permitimos e compactuamos com essa anulação social que nos é solicitada a todo o momento em prol da família.

Aos poucos vamos perdendo nossa essência, acreditando inconscientemente que de fato vamos salvar alguma coisa, o casamento, a qualidade de vida dos filhos, ou o funcionamento da casa e da família. O machismo está em qualquer ser humano que enxerga em roupas curtas a permissão para o abuso ou que culpabilizam as vítimas de diversas violências através de questionamentos como: “Mas por que ela não gritou?” ou “Por que ela não se separou antes?”.

A cultura machista em que todos fomos educados

O problema é que fomos todos educados de maneira errada e enquanto não conhecermos nossa história continuaremos a perpetuar o machismo.

A pergunta mais urgente a ser respondida deve ser a seguinte: O que podemos fazer na prática para deixar de exercer o machismo estrutural que se encontra enraizado em nossas vivências?

A resposta a esta pergunta é simples, precisamos deixar a competição de lado buscando olhar para o outro com respeito e amor para tudo que ele representa, só assim conseguiremos transpor as barreiras que nos separam e nos fazem diferentes.

Não importa qual forma o seu corpo apresenta, feminina ou masculina. Todos somos dotados de desejos, sonhos, objetivos e sentimentos que merecem ser integralmente respeitados e validados, ainda que tal movimento exija um esforço diário de nossa parte.

Você já experimentou olhar para a dor do outro sem realizar os seus próprios julgamentos? Você já experimentou escutar uma mãe dividir com você suas dores e inseguranças, sejam elas físicas e/ou psicológicas e não rir? Experimentou não pensar automaticamente que é besteira? Ou que cansado está você que trabalhou o dia todo fora de casa?

Pois faça esse exercício diariamente, até que ele se torne um movimento natural em sua vida. Olhe para si mesmo com um olhar crítico, pense sobre as coisas que você diz de maneira tão banal que até lhe parece inocente. Qual a mulher que lê este texto e nunca escutou as seguintes frases: “Sua comida está ótima, já pode casar”, “o seu filho está um rapaz lindo, deve estar fazendo a festa com as meninas”.  

Se você é mãe ou pai, tenha compromisso com a criação de seus filhos, não permita que suas filhas deixem de executar tarefas e esportes que já foram considerados masculinos por medo do julgamento alheio.

Não permita que ela acredite que meninos são mais fortes ou mais inteligentes. Estimule suas habilidades com brinquedos de montar e tecnologias. Mas se você tem um menino, explique para ele que não há diferenças entre meninos e meninas, deixe que ele faça algumas tarefas de casa junto com você, permita que ele brinque de casinha, comidinha ou qualquer outra brincadeira do universo doméstico porque um dia ele provavelmente terá sua própria casa, terá seus próprios filhos e precisará colocar em prática todas as experiências adquiridas com o faz de conta. 

Para finalizar, acredito que um estudo mais aprofundado sobre o assunto seja de extrema importância. Busque livros que falem a respeito do tema, faça buscas em sites confiáveis na internet, quando você percorrer os caminhos que te fizeram machista irá perceber como as mulheres se sentem anuladas em uma sociedade que tenta nos controlar o tempo todo.

Recentemente dediquei dois anos da minha vida pesquisando a respeito da maternidade e das diversas vivências femininas e eu garanto que esse tempo foi um divisor de águas na minha vida. Foi assim que meu último livro “Pode uma mãe não gostar de ser mãe? As controvérsias acerca do feminino” foi construído e é sob essa perspectiva que desenvolvo meu trabalho na psicologia.

 

Referências Bibliográficas:

Ataíde, C. P., & Nunes, L.M.I (2016). Feminização da Profissão Docente: as representações das professoras sobre relação entre ser mulher e ser professora do ensino fundamental.

Bassanezi, C. (1997). Mulheres dos Anos Dourados. In M. Del Priore & C. Bassanezi. C (Orgs.), História das Mulheres no Brasil.

Scavone, L. (2001). Maternidade: transformações na família e nas relações de gênero.

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