Psicologia, fake news e preconceito em tempos de pandemia

Psicologia, fake news e preconceito em tempos de pandemia

O início

Os anos de 2020 e 2021 têm sido muito diferentes para as pessoas que vivem no planeta terra, em relação aos últimos cem anos; seja no aspecto do trabalho, do estudo, do lazer, da convivência familiar e social e, principalmente, nos cuidados com a saúde pessoal e coletiva.

De início uma gripe diferente localizada no outro lado do mundo, em relação ao Brasil – na China, para de repente uma doença que transpassaria os continentes e oceanos, se espalharia rapidamente e colapsaria o sistema de saúde se não tomadas medidas de distanciamento social e interrupção dos contatos presenciais das pessoas no trabalho, nas instituições de ensino, no comércio, setor de serviços e em todas atividades onde houvesse reunião presencial, para se evitar a rápida transmissão da doença.   

Com a recomendação do isolamento social no Brasil e o consequente fechamento de grande parte do comércio, das escolas e serviços não essenciais, e a proibição de reuniões presenciais de pessoas para quaisquer fins, começam a surgir as dúvidas se tais medidas não eram exageradas para combater um tipo de gripe mais contagiante, se isso não colapsaria a economia gerando desemprego e miséria, se não era o caso de se isolar somente as pessoas do grupo de risco — idosos e pessoas com doenças pré-existentes — liberando a vida normal para as demais pessoas — crianças, adolescentes e adultos com a saúde normal. 

Comunidade científica dividida

Quando nos defrontamos com os avanços da ciência, da tecnologia, quando consultamos um especialista consagrado, como um médico, um cientista, não questionamos, a priori, seu conhecimento, pois temos a crença de que seu saber é um saber testado e aprovado, com resultados efetivos.      

Mas de repente, no ano de 2020, esta crença começa a ser abalada, visto os médicos e cientistas não terem manifestação uniforme sobre a nova doença causada pelo coronavírus, provocando certa apreensão e confusão entre as pessoas sobre a forma correta de se combater a nova doença e suas consequências.  

No Brasil, em especial, o Governo Federal aborda o combate à nova doença de uma maneira diferente da maioria dos países do mundo, pregando que o isolamento social é pernicioso à economia, ao emprego e ao combate à pobreza e que a doença pode ser combatida por remédios polêmicos no meio científico, como a cloroquina.

Por sua vez essa pregação do presidente é posição diferente de parte expressiva de governadores e prefeitos, que adotam o isolamento social e medidas sanitárias de combate ao vírus, gerando conflitos abertos entre o Governo Central e governos locais e entre pessoas defensoras de cada lado.

O indivíduo no meio da pandemia

O indivíduo normal, trabalhador, estudante ou com outra ocupação, sente sua rotina mudar de repente nos primeiros meses de 2020, em especial no mês de março, sendo aconselhado pela grande mídia e especialistas de mais prestígio que fique em casa, não se reúna presencialmente com pessoas, restrinja suas compras presenciais, abdique de seu lazer em cinemas, viagens, shows e outras atividades que reúnam pessoas presencialmente.   

Porém ao se informar para saber lidar com a situação atípica, recebe uma comunicação disforme, com mensagens contraditórias, umas dizendo para que se volte ao seu normal, outra afirmando que não se deve expor ao perigo, pois pode ter graves consequências à sua saúde e até levar à morte. 

A reação à confusão 

Abraham Maslow, psicólogo norte-americano, em seus estudos criou a pirâmide com a hierarquia das necessidades humanas, também conhecida como Pirâmide de Maslow, nas quais as primeiras necessidades seriam preponderantes, devendo ser satisfeitas anteriormente às que se seguem.  

No primeiro piso da “Hierarquia de Necessidades Básicas de Maslow” estariam as

  1. Necessidades fisiológicas, tais como fome, sede, sono, sexo e as demais; a seguir teríamos as
  2. Necessidades de segurança, tais como estabilidade, proteção, ordem e outras; depois as
  3. Necessidades sociais, de amor e pertinência, como convívio com a família, afeto, amizade e outras; as
  4. Necessidades de estima, tais como autorrespeito, aprovação, prestígio, poder e outras e finalmente, as
  5. Necessidades de autorrealização, como autonomia, realização, o desenvolvimento de capacidades e outras (Maslow, 1970).

Refletindo sobre a hierarquia das necessidades citada por Maslow, a população com reservas financeiras, com garantia de rendimentos, de emprego e renda estaria mais preocupada com sua necessidade de segurança, sua saúde e por outro lado, as pessoas com renda incerta, sem reservas, que dependem fortemente do emprego e de sua fonte de subsistência, estariam mais preocupadas com suas necessidades fisiológicas, de alimento, de sustento da infraestrutura para sobreviver? 

Umas estariam mais preocupadas com sua saúde e a saúde social e outros mais preocupados com o emprego, o funcionamento da economia, a geração de renda, para ter meios básicos de subsistência?

Fake news 

Por outro lado, o acesso à informação nos dias atuais se tornou muito fácil, visto termos em nossa mão um aparelho que não para de nos trazer notícias e informações sobre os mais variados assuntos e que está disponível a nós as vinte e quatro horas do dia e além desse aparelho celular smartphone citado, temos ainda o computador, a televisão, o rádio, o tablet, osjornais , etc., trazendo-nos notícias continuamente.    

Ou seja, uma vez que somos inundados de infindável número de informações, qual é a dúvida sobre em que acreditar ou o que fazer? Aí temos as conclusões contidas no filme “O Dilema das Redes” (ORLOWSKI, 2020), de que formuladores e gestores de plataformas de redes sociais usando inteligência artificial para obterem lucros com seus negócios, descobriram que publicidade vinculada a notícias falsas geram seis vezes mais visualizações que notícias verdadeiras.  

Desta forma, as empresas que anunciam seus produtos e serviços em redes sociais, se o fizerem junto a notícias falsas irão ter seis vezes mais possibilidades de que seu produto seja visto do que se o fizerem junto a notícias verdadeiras; assim, notícias falsas, geram muito mais riqueza em redes aos anunciantes do que notícias verdadeiras, segundo as conclusões das pesquisas do filme.

Preconceito

Mas como distinguir o que é falso do que é verdadeiro? Por que pessoas têm quase certeza de que algo é verdadeiro, já outras têm clareza de que seja falso? É difícil verificar se uma informação é verdadeira ou falsa? Será que pessoas têm “tendência” a acreditar em certas coisas mais que outras, que haveria preconceitos em sua forma de pensar e entender o mundo?   

A filósofa alemã Hannah Arendt (Arendt, 1998) afirma que é quase impossível os homens viverem sem preconceitos e que o preconceito desempenha um papel extraordinário no cotidiano das pessoas, diz ela (1998, p. 29) – “ pois nenhum homem pode viver sem preconceitos, não apenas porque não teria inteligência ou conhecimento suficiente para julgar de novo tudo que exigisse um juízo seu no decorrer de sua vida, mas sim porque tal falta de preconceito requereria um estado de alerta sobre-humano” e falando do preconceito na política completa – “A dimensão do estado de alerta e abertura para o mundo determina o nível político e o caráter geral de uma época; mas não se pode imaginar, nenhuma época na qual os homens não pudessem reincidir e confiar em seus preconceitos para amplas áreas de juízo e decisão”.      

Ou seja, o preconceito seria inerente à condição humana de pensar o mundo e, nesse sentido, muitas vezes a informação, mesmo falsa, enquadra-se na forma como o indivíduo entende sua vida e seu meio, ela será aceita e tida como correta.

Conclusão

Temos também a interessante classificação de Eduard Spranger (1976) dos tipos ideais fundamentais da individualidade:

  • O Homem Teórico,
  • O Homem Econômico,
  • O Homem Estético,
  • O Homem Social,
  • O Homem do Poder e
  • O Homem Religioso.

Mas esta e outras abordagens são assuntos para outros artigos.     

Inundados por informações falsas e verdadeiras, sendo que segundo pesquisas, nas redes sociais as falsas têm mais valor comercial que as verdadeiras, tendo que lidar e escolher entre as necessidades básicas fisiológicas e as necessidades de segurança, socialmente tendo que lidar com o preconceito próprio e o dos outros em uma época de extrema tensão e conflito de pensamentos, o indivíduo se vê presa de uma época de pandemia nunca vista antes nos últimos cem anos, com todas as suas consequências.     

O primeiro passo para se estabilizar o barco e enfrentar as ondulações com segurança é entender o que está acontecendo.  

Lauro Kuester Marin – Psicólogo

Referências

  1. ARENDT, H.  O que é política?  5ª. ed. Rio de Janeiro, Bertrand Brasil, 1998.
  2. MASLOW. A.  Motivation and Personality.  Ed. Ver. New York: Harper and Row. 1970.
  3. ORLOWSKI, J.  O Dilema das Redes.  2020.  Disponível em <https://www.netflix.com/br/title/81254224>.  Acesso em 22 fev. 2021.
  4. SCHERMANN, D.  Pirâmide de Maslow:  o que é e por que você precisa conhecê-la. 2018.  Disponível em < https://blog.opinionbox.com/piramide-de-maslow/>.  Acesso em 23 fev. 2021.
  5. SPRANGER, E.  Formas de Vida.  Rio de Janeiro, Zahar Editores, 1976.
LAURO KUESTER MARIN
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