Terapia de aceitação: aceitar-se é um processo ativo!

Terapia de aceitação: aceitar-se é um processo ativo!

“Aceita que dói menos”, essa é uma frase que todo mundo já ouviu. É mais uma daquelas coisas que é mais fácil falar do que fazer. 

É comum querer mudar coisas que não podem ser mudadas. Por mais que um problema não tenha solução, isso não quer dizer que deixa de ser um problema. Muitas vezes associada à resignação, o processo de aceitar-se é algo que pode ser trabalhado na terapia.

A aceitação é tida como um processo ativo de não julgamento e não esquiva ou supressão de experiências ou sentimentos de qualquer tipo. Aceitar é entender que experiências desagradáveis também fazem parte da vida, e a tentativa de procurar meios de controlar a todo custo esses desconfortos só serve para piorar o problema.

É igual quando se está com uma prancha de surf na água. Se tentar mergulhar a prancha a todo custo, ela vai mostrar grande resistência. Com força, é possível afundar um pouco, mas, logo após, virá novamente à tona com tudo, muitas vezes acertando em cheio o rosto. No entanto, se a prancha for deixada boiando, sem forçá-la para baixo, é possível flutuar juntamente. De modo semelhante, ao suprimir uma emoção, muito provavelmente ela virá ainda mais forte.

Uma das metáforas mais pertinentes para compreender o processo de aceitação descreve o indivíduo como motorista de um ônibus em que os passageiros são cognições e emoções. São passageiros encrenqueiros, ficam reclamando que o motorista é estúpido, que está indo pelo caminho mais longo, que não está dirigindo da maneira correta.

Eles ficam gritando na orelha do motorista dizendo que está no caminho errado. Alguns são até mesmo bastante agressivos, chamando o motorista de “ridículo” e “imbecil”. O motorista pode escolher se deseja dar ouvidos a esses passageiros ingratos, ceder a eles e mudar a direção do ônibus, parar no acostamento ou deixar que eles tomem o controle. No entanto, o motorista percebe que esses passageiros são apenas passageiros, e não conseguem assumir o volante, por mais perturbadores que sejam.

Terapia de Aceitação e Compromisso (ACT) 

A Terapia de Aceitação e Compromisso (ACT) foi fundada em 1987, pelo norte-americano Steven Hayes e colaboradores. É uma vertente das Terapias Cognitivas e Comportamentais. A ACT é uma abordagem psicoterápica de cunho contextualista, que se baseia em teorias comportamentais e da aprendizagem.

O modelo teórico central da ACT assume que o sofrimento humano é, muitas vezes, derivado da fuga de experiências internas aversivas e distanciamento de seus valores, com tentativas de controlar sensações, pensamentos ou emoções.

Por exemplo, uma mãe que deixa de buscar o filho na escola por ter se envolvido em um acidente de carro próximo dali, sem feridas. Com medo de que aconteça novamente, se esquiva do medo e do desconforto de passar ali novamente.

Embora a inconstância faça parte da vida, cada pessoa reage distintamente a ela. Imagine alguém que evita sistematicamente entrar em contato com o sofrimento. Se a pessoa viver apenas para isso, ainda assim é inevitável se esquivar de sensações desagradáveis. Corre-se risco até mesmo de acentuar o problema, ao se distanciar de aspectos realmente valiosos para ela, como família, educação ou trabalho, por exemplo.

Flexibilidade psicológica

A ACT propõe um modelo unificado de mudança de comportamento. A flexibilidade psicológica é uma série de processos psicológicos que visam flexibilizar os processos cognitivos. O sofrimento é visto como uma reação aos sintomas, não aos sintomas em si. Orientado para o momento presente, a pessoa choca-se com a possibilidade de se adequar o comportamento em função de ações valorosas e aceitação, em vez de simplesmente reduzir o sofrimento.

No mesmo exemplo da mãe que evita levar o filho à escola, ao evitar, ela está se distanciando daquilo que é realmente importante para ela, que é o desenvolvimento educacional e emocional de seu filho. 

A inflexibilidade psicológica é composta pelos mesmos processos só que inversos, servindo de fonte e de manutenção de processos psicopatológicos. Geralmente, a inflexibilidade psicológica consiste em um comportamento orientado pela linguagem, que se distancia dos valores escolhidos. 

Seis são os pilares da inflexibilidade psicológica passíveis de intervenção:

Fusão cognitiva/desfusão:

Comportamentos são regidos em excesso por literalidade do pensamento, por conteúdo verbal. A experiência e o contexto são negligenciados e a regulação do comportamento é regido unicamente pelo pensamento. A desfusão cognitiva é o processo que pretende reduzir o controle de eventos internos sobre o comportamento, aumentando o contato com o momento da experiência, no aqui e agora.

Intervenções como visualizar os pensamentos e sentimentos como se fossem folhas de papel descendo por um rio, levados pela vazão d’água é uma prática que visa reduzir a fusão cognitiva.

Evitação experiencial:

Estar indisponível ou não entrar em contato para eventos internos aversivos pode acarretar em tentativas de reduzir sua forma, intensidade ou frequência. A evitação de estímulos que despertam pensamentos ou emoções indesejados pode ser contraproducente, visto que pode reduzir a variabilidade comportamental e levar a comportamentos disfuncionais. Lutar com os sintomas contribui para a manutenção do problema e a aceitação pode auxiliar na quebra desse ciclo.

A aceitação é o processo oposto da evitação e desejável. Dá-se por maior disponibilidade para entrar em contato com eventos internos do modo como aparecem, sem tentar suprimi-los ou se esquivar. A experiência de desconforto pode adquirir novas funções, a partir da busca de alívio com frequência. Uma das metáforas mais pertinentes descreve o indivíduo como motorista de um ônibus em que os passageiros são cognições e emoções. Uma outra forma de incentivar o desenvolvimento de aceitação é o de observar e descrever os eventos internos de desconforto, sem julgamento.

Atenção rígida ao passado ou futuro:

Constante preocupação com o passado ou em imaginar o futuro leva a um enrijecimento da atenção. Ser capaz de regular a atenção e manter contato com o aqui e agora, permite o indivíduo experimentar o mundo mais diretamente, levando-o a se comportar de modo mais flexível; a atenção presente pode ser promovida com técnicas de mindfulness.

Uma prática simplificada de concentrar-se no momento atual, por exemplo, envolve sondar e checar mentalmente o corpo, procurando por emoções e sensações físicas, sem julgamentos.

Os valores são verbalmente construídos, de livre escolha, com reforçadores positivos que promovam padrões de comportamentos de preenchimento e significado. A clareza de valores previne comportamentos direcionados à consequências abstratas de longo prazo, e faz ações direcionadas desse tipo mais prováveis a curto prazo.

Ação comprometida:

A partir de identificado o que é importante para o indivíduo, onde os valores orientam continuamente o comportamento, faz-se pertinente construir padrões de atitudes voltadas a esses objetivos pessoais, de modo a engajar o sujeito a ações que o direcione para uma vida mais significativa. Os valores são instâncias desejáveis, perfeitas, uma utopia que serve para redirecionar continuamente os comportamentos e aumentar a flexibilidade de tais. O processo de terapia é uma forma de identificar e clarificar esses valores.

Considerações finais

Com base na literatura, pode-se dizer que os objetivos ou processos de aceitação, escolha e ação, em última instância, visam a desenvolver no cliente a flexibilidade psicológica, definida como a habilidade de permanecer em contato com o presente e alterar ou manter-se na situação, quando é importante, para alcançar os valores pessoais.

Alguém psicologicamente inflexível costuma ter comportamentos governados por regras, muitas vezes não sendo sensível às circunstâncias. Alguém psicologicamente inflexível age da mesma maneira em situações diferentes, sendo que o contexto é totalmente outro. 

Em resumo, a ACT propõe tomar as experiências tais como são, enquanto fenômenos, bem como abandonar a luta pelo controle de eventos psicológicos, promovendo o engajamento em comportamentos para uma vida plena. 

Referências:

  1. BARBOSA, Leonardo Martins; MURTA, Sheila Giardini. Terapia de aceitação e compromisso: história, fundamentos, modelo e evidências. Revista Brasileira de Terapia Comportamental e Cognitiva, v. 16, n. 3, p. 34-49, 2014.
  2. FARIAS, Ana Karina CR; FONSECA, Flávia Nunes; NERY, Lorena Bezerra. Teoria e Formulação de Casos em Análise Comportamental Clínica. Artmed Editora, 2017.
  3. SABAN, Michaele Terena. Introdução à terapia de aceitação e compromisso. Santo André: ESETec, 2010.
LUIZ GUILHERME
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