Como a terapia pode ajudar na compreensão da identidade de gênero?

Como a terapia pode ajudar na compreensão da identidade de gênero?

Antes de começar, gostaria de dizer que eu sou muito suspeito para falar sobre isso, pois além de psicólogo eu também sou um homem trans! Então se você espera de mim uma imparcialidade, não acho que esse seja um texto interessante pra você!

Antes, gostaria de me apresentar… (para aparecer? Não! Para que você saiba de que lugar eu falo). Então vamos lá! Eu sou o Charlie, psicólogo e homem trans. Tenho 27 anos e sou natural de Maceió – AL. Iniciei minha transição durante a minha graduação (na Federal de Alagoas). O processo de transição foi muito importante para que eu me engajasse mais ativamente na luta a favor dos Direitos Humanos (inclusive, atualmente sou membro da Comissão de Direitos Humanos do CRP daqui do meu estado).

Isso me permitiu ser mais crítico e estudioso sobre as questões de gênero e identidade. Durante a graduação fiz vários estudos, escrevi artigos e cheguei até a criar um grupo de estudos sobre isso. E qual a relevância de tudo isso? Bom, isso me fez perceber como a psicologia pode ser importante na luta contra as identidades trans e travestis (falei que seria tendencioso…). No fim da minha graduação fui expulso da casa da minha mãe e hoje tenho meu cantinho no interior do estado onde resido e resisto diariamente!

Como já deixei bem claro, eu bebo dessas duas fontes e gostaria de dividir esse texto em dois momentos: o olhar da pessoa trans, e o olhar da psicologia sobre esse mesmo tema: a importância da psicoterapia para a compreensão da identidade de gênero. E já adianto que responder a essa pergunta não é uma tarefa fácil. Até mesmo para mim que conheço bem essas duas realidades (aliás, acredito que principalmente pra mim não é fácil pois me vejo envolvido nesses dois processos!).

O olhar das pessoas trans

Nos grupos que eu faço parte, é muito comum ouvir a galera trans, principalmente os rapazes (sorry, guys!), dizerem que não precisam ir ao psicólogo porque eles já sabem que são trans e não precisam de alguém para afirmar isso por eles. Principalmente há alguns anos quando era exigido laudo psicológico ou psiquiátrico para as cirurgias do processo transexualizador.

Eu ficava me perguntando de onde vinha essa narrativa, porque essa questão toda com a afirmação da identidade? Será que é só por uma questão política? Ou tem mais coisa aí? (a essa altura os leitores psicanalistas já devem estar pulando da cadeira com a mãozinha levantada querendo responder a essa pergunta! Sugiro que aproveitem o espaço dos comentários).

Essas perguntas rondavam minha cabeça até que um dia, refletindo sobre isso durante uma roda de discussão nesse grupo de estudos, eu pude perceber que isso tem a ver com o preconceito que ocorre dentro e fora da comunidade LGBT.

Acontece que a sociedade foi construída a partir de um modelo ideal a ser seguido. Esse modelo hoje é pautado pelo patriarcado e disseminado nas instituições de normatização como a escola, por exemplo.

E como desde cedo estamos inserido nas escolas, desde cedo temos contato com esse padrão “cisheteronormativo” (cis = cisgênero: pessoa que nasce e se identifica com o gênero que lhe foi designado ao nascer; hetero = heterossexual: pessoa que se sente atraída afetivo e/ou emocionalmente por pessoas do sexo oposto) e isso cria em nós uma “conformidade social” de que as coisas são assim ou só podem ser assim.

Ou seja, parafraseando a ministra Damares: “Meninos vestem azul e meninas vestem rosa”. E essa ideia (pra não dizer ideologia) é colocada em nossas mentes a partir do discurso repetitivo.  É, entra por osmose mesmo! E ninguém escapa dessa normalização, até as pessoas trans.

E aqui chegamos ao ponto em que eu queria chegar.

Até mesmo as pessoas trans (e toda a comunidade LGBT, em geral) carrega consigo alguns preconceitos sobre identidade de gênero e sexualidade e isso faz com que nós, pessoas LGBTQIA+, negligenciemos partes ou fragmentos da nossas vidas por conta desses preconceito colocados em nós.

Muitas vezes, a gente não consegue ou não quer ver o óbvio bem na nossa frente. E acabamos sofrendo com nossa descoberta e durante o nosso processo de aceitação. Sim, aceitação. Muitas pessoas acham que a primeira aceitação que enfrentamos é a aceitação da família, mas, na verdade, a gente precisa primeiro vencer o nosso próprio preconceito para nos aceitarmos e tomarmos a decisão de externalizar o que sentimos por dentro.

E é aí que a psicologia se faz importante! Mas isso vamos deixar para o próximo momento.

O olhar da psicologia

Antes da gente começar a reflexão, gostaria de ressaltar que a Organização Mundial de Saúde (OMS) retirou da classificação a transexualidade que hoje não é mais entendida como transtorno mental na 11º versão da Classificação Estatística Internacional de Doenças e Problemas de Saúde (CID).

Isso representa uma grande conquista para as pessoas trans. E vale ressaltar que desde 2018 o Conselho Federal de Psicologia já havia publicado a  Resolução CFP 01/2018 que orienta os profissionais da psicologia, no exercício da profissão, a atuar de modo que as travestilidades e transexualidades não sejam consideradas patologias.

E esse é o papel da psicologia: de entender, respeitar e construir junto com as pessoas trans o direito delas de existir com seus corpos. Não cabe ao psicólogo dizer sobre o corpo do outro ou validar, autorizar nada. O psicólogo está ali para acolher o sofrimento causado por um processo histórico de opressão dessas identidades.

A psicologia se faz presente e importante na compreensão da identidade de gênero porque o psicólogo é o profissional mais indicado para ajuda você nesse processo de descoberta, tomada de decisão, autoconhecimento, para você entender-se melhor.

Seja lá como você queira chamar, o psicólogo foi treinado para isso. Eu estudei para isso!

É função do psicólogo auxiliar você nesse processo de transição que é um processo de autoconhecimento, de revisão de conceitos e crenças. Ele pode te ajudar a romper com seus preconceitos internos. E com isso ele pode te ajudar a passar pela transição de uma forma mais leve, tranquila, segura e estável.

Muitas vezes as pessoas trans, no início da transição, passam por uma mudança de hábitos, costumes, aparência. A sociedade passa a observar de uma forma diferente e ter as mais diversas reações em relação às pessoas trans. Tais reações podem ser positivas, reconfortantes, mas em alguns momentos podem machucar, invisibilizar, diminuir a autoestima. E nós psicólogos entendemos (ou deveríamos entender) que esse processo de transição não precisa ser doloroso, sofrido. Você pode passar por ele com mais tranquilidade, pode ser um processo mais estável desde que você se permita fazer terapia!

Se você é uma pessoa trans e está à procura de terapia, sugiro que você procure um profissional que se disponha a atender pessoas LGBT assim como eu e tantos outros aqui dentro do Psicologia Viva. E se você já sofreu transfobia em alguma consulta com o psicólogo, você pode fazer uma denuncia para o Conselho Regional de Psicologia da sua região, é a melhor forma de combater o preconceito e crime de ódio.

Desculpa, gente, eu disse que iria separar, e acabou que foi mais o meu olhar de homem trans e psicólogo do que o que eu havia prometido! Mas não tem como eu falar sobre outra ótica, não é mesmo?!

Se quiser continuar lendo meus textos, visite meu instagram: @ansiedadenaweb. Lá você encontra o link para meu site e acha a aba de blog. Lá eu escrevo sobre ansiedade e dependência tecnológica.

Espero que eu tenha ajudado vocês. Obrigado pela leitura!

Charlie Bellow de Oliveira Pimentel S.
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