
Tristeza em tempos de pandemia
Estamos vivendo tempos difíceis. Com todas as pessoas que converso, a conclusão é sempre a mesma: “Nunca havíamos imaginado vivenciar tempos tão difíceis!”. O mundo inteiro está experimentando a mesma situação, a incerteza e o afastamento social.
Ainda que o “lockdown” e o isolamento social não sejam exatamente novidades, uma vez que foi adotado por muitos países durante a gripe espanhola em 1918, esses cento e vinte anos que nos separam deram-nos a falsa esperança de que não ficaríamos mais a mercê de vírus ou bactérias.
Vacinas e antibióticos nos acalentavam com a falsa sensação de segurança. A medicina parecia estar evoluindo, de forma que a longevidade do ser humano parecia se tornar cada vez maior. Imaginávamos que as chances de morrermos por doenças seriam muito pequenas.
Devido a esta situação tão peculiar, durante os últimos meses muitas pessoas estão experimentando uma vasta variedade de humores e tendo um repertório igualmente variado de expressões afetivas. Solidão, irritação, prostração, ansiedade, tristeza e até mesmo depressão estão entre os sentimentos mais relatados pelos brasileiros que moram no Brasil ou no exterior.
A cada dia que passa parece que nossas ferramentas para lidar com os estressores estão se extinguindo mais rapidamente. Vivemos tempos únicos e de exceção. O mundo já não funciona da forma que conhecíamos e nossas ferramentas de enfrentamento já não são suficientes.
Depressão: muito mais que uma tristeza
A depressão afeta 322 milhões de pessoas no mundo, segundo dados divulgados pela OMS. Só no Brasil, a depressão atinge 11,5 milhões de pessoas e está bem longe de ser apenas “crisezinha”, “frescura” ou “falta de Deus”. A depressão é uma experiência de grande sofrimento, físico e psíquico, e como qualquer outra doença precisa de tratamento.
Segundo o CID10 (que descreve e dá as diretrizes diagnósticas oficiais), os principais sintomas da depressão são:
- Perda de apetite e interesse pela vida,
- Sentimentos de culpa,
- Dificuldade para concentrar-se,
- Alterações do sono,
- Diminuição do desejo sexual,
- Dificuldade em terminar coisas que começaram,
- Lentificação das atividades físicas e mentais,
- Pensamentos negativos persistentes e pensamentos sobre morte e suicídio.
E essas mudanças quase sempre comprometem as relações pessoais, o convívio social e a vida profissional.
Porém, para afirmarmos que uma pessoa está deprimida, esses sintomas devem estar presentes a maior parte do dia, quase todos os dias, por quinze dias, e não podem melhorar ou ser explicados por algum evento estressor do cotidiano como luto pela perda de uma pessoa querida, do emprego, doença grave, etc.
A vivência de estar em depressão pode ser altamente incapacitante. A pessoa deprimida precisa de acompanhamento psicoterápico e, na maioria das vezes, medicamentoso.
Toda perda exige um luto
Uma grande variedade de perdas são experimentadas durante a vida. Não há como pensar uma vida sem perdas. O que difere uma perda de outra é a potencialidade do afeto que dedicamos durante a vida. O que se assemelha é que toda perda exige um luto. É um fato que será vivenciado com maior ou menor dificuldade.
Não podemos esquecer que o luto é uma resposta emocional saudável e importante para lidarmos com as perdas. Na psicanálise falamos em “trabalho de luto”, considerando que existe um tempo necessário para que o Eu possa lidar de maneira mais ou menos estável com as consequências de uma perda de algo ou alguém investido de afeto (FREUD, 1914/2006).
Portanto, ao passar por dificuldades ou perdas, é preciso respeitar os momentos de tristeza. É injusto esperar que alguém que recebeu uma notícia de doença grave não fique triste e passe por um período “baixo astral”. Aliás é exatamente este período que permitirá a cada um elaborar o problema e dar a “volta por cima”.
Assim como as perdas e o luto, as oscilações de humor fazem parte da vida e, portanto, farão parte deste momento tão inusitado e distinto. O isolamento social é um estressor tão intenso que é capaz de funcionar como gatilho para os mais diferentes sofrimentos psíquicos, entre eles, angústia, tristeza e luto.
Estamos de luto pelo que não pode vier a ser
Estamos de luto por tudo que não pode acontecer este ano, por tudo que não podemos vivenciar. Estamos de luto pelo ano que mal começou e logo ficou atipicamente paralisado. Estamos de luto pelos amigos e familiares que não vemos. Estamos de luto pelos abraços que não podemos dar. Estamos de luto pelas viagens e passeios que não fizemos. Mas principalmente, estamos de luto pela falsa sensação de segurança que gostamos de cativar: nosso emprego não está a salvo, nossa família não está a salvo, nossa saúde não está a salvo.
A Covid-19 está esfregando em nosso rosto a nossa finitude e a finitude daqueles que amamos. Estamos vivendo um período de perdas diárias e sabemos que aqueles que não vencem esta doença morrem tristemente sozinhos.
E como se não bastasse, aqueles que ficam não podem despedir-se ou velar seus mortos. Freud diz que a morte não pode ser representada em nosso Inconsciente. Ele diz: “De fato, é impossível imaginar a própria morte e, sempre que tentamos fazê-lo, podemos perceber que ainda estamos como espectadores”. A doença causada pelo novo Coronavírus tenta impor a força que tentemos representar a morte. A força de uma vivência como essa pode ser devastadora para o psiquismo.
Parece que o tempo parou para esperar o novo Coronavírus passar. O amanhã virou um grande ponto de interrogação. O “ainda não vivido” nos recepciona a cada segundo, impondo e sobrepondo demandas. O discurso que invade, força-nos a responder o que vale mais: o emprego ou a vida? Como se houvesse uma resposta possível. Como se pudéssemos salvar um ou outro.
Ainda há vida à nossa volta, e precisamos compartilhá-la!
Mas como lidar com tudo isso? Compartilhando vida: cantando nas sacadas, dançando dentro de casa ao assistir uma live do seu artista preferido, pintando, bordando, criando, etc.
Em uma entrevista, o psicanalista Edson de Sousa falou sobre a necessidade de buscar palavras que tragam um pouco de ar para tantos espaços fechados de vida que se impõem. Palavras e ar. É o que a pandemia consome daqueles que adoecem ou não.
Precisamos que a máscara não nos cale ou sufoque. Precisamos que a máscara seja o instrumento de vida e, justamente, demonstre nossa rebelião frente a este vírus: “aqui tu não entras!”. Precisamos que a tecnologia nos aproxime daqueles que o abraço é impossível momentaneamente, e nos preencha de palavras e discursos de enfrentamento.
Precisamos falar sobre o que estamos vivendo, porque o que não pode ser dito é potencialmente traumático. E precisamos admitir para nós mesmos que não precisamos estar felizes o tempo todo. Tudo bem passar por dias com menos motivação. No cenário atual, inadequados são aqueles que negam a gravidade do que vivemos e insistem em tentar viver uma vida como antes.
E se por acaso você perceber que está se encaixando nos sintomas que descrevi acima, procure ajuda. Psicoterapia não é para loucos. Psicoterapia é para aqueles que querem viver melhor e mais felizes.
ERIKA JUCHEM GOELZER
CRP07/14201 – Psicóloga & Psicanalista
Especialista e Mestre em Psicologia Clínica
@psicoerikagoelzer
Referências Bibliográficas:
OMS/PAHO (2020), disponível em: https://www.paho.org/bra/index.php?option=com_content&view=article&id=5635:folha-informativa-depressao&Itemid=1095
CID 10 – Classificação dos Transtornos Mentais e do Comportamento: Descrições e diretrizes diagnósticas. Porto Alegre: Artmed, 1993.
FREUD – Luto e melancolia. In: ______. Obras psicológicas de Sigmund Freud. Vol. II. L. A. Hanns (Coord.). Rio de Janeiro: Imago Ed., 2006.
- Tristeza em tempos de pandemia - 9 de julho de 2020