Existe vida após um término

Existe vida após um término

Términos muitas vezes não são fáceis. É certo que esta não é uma regra, mas muitas vezes não estamos preparados para ele. Inevitavelmente, na construção das relações, expectativas e planos para um possível futuro são criados, e eu me arrisco a dizer que não tem problema nenhum nisso.

É natural que você queira construir algo com a pessoa que ama. Uma vida sem expectativas é um tanto engessada e também pode ficar cinza e monótona, e se tornar um grande convite à depressão e ao desânimo.

O Luto para Freud 

Freud (1917), em seu artigo Luto e Melancolia, definiu o luto como uma reação à perda do objeto amado ou a abstrações que poderiam tomar seu lugar, caracteriza-se por um processo que ocorre gradativamente e gera dor.

A cada lembrança do objeto, este será superinvestido de energia, até que, de maneira vagarosa, esse trabalho poderá se completar, deixando o indivíduo livre para investir energia em outro objeto. O enlutado apresenta grande desinteresse pelo mundo exterior (com exceção de tudo que recordar o objeto perdido).

“No luto o mundo tornou-se pobre e vazio”. 

A separação amorosa pode ser vivida como um tipo de morte entre os vivos, pois foi necessário matar o outro dentro de si. Além de perdermos o objeto amado, também perdemos o significado que depositamos nele, como a perda de uma parte do ego.

Os sentimentos e emoções são vividos de forma exacerbada e ambivalente. O processo de luto deve aparecer diante da separação, podendo tomar vários caminhos, desde a elaboração da perda e retomada dos processos cotidianos da vida até uma desorganização psíquica, podendo tornar-se patológica.

Parkes (1998) explica que o luto é um processo que envolve várias fases, tendo cada uma suas características particulares, as quais cada indivíduo experienciará de uma maneira. Kübler-Ross (1969) definiu cinco fases encontradas no processo de luto, a saber:

  1. Negação: em que buscamos negar o conflito vivido;
  2. Raiva: quando se manifesta o sentimento de revolta diante da realidade da perda;
  3. Barganha: como tentativa de revertermos a perda inevitável;
  4. Depressão: quando a pessoa fica consciente da inevitável perda, sofrendo grande tristeza, medos e sentimentos desoladores;
  5. Aceitação, quando conseguimos entender e seguir a vida.

Como o amor é um tema muito presente na história da humanidade, não imaginava que pudesse ser tão difícil escrever sobre ele. No entanto, em meio a tantas definições, me pergunto se tudo aquilo que se diz a seu respeito por aí – nas ruas, televisão, livros, obras de arte, canções, filmes, etc, é o suficiente.

Será? Não estaríamos perdendo algo muito valioso nesse excesso de pautas sobre o amor e correndo o risco de afogá-lo em um mar de definições e sentimentalismos banais? 

Abrace a realidade da incerteza e aproveite o passeio

A única certeza da vida é que nada é certo. Apesar do grande progresso da civilização, a fantasia do controle absoluto da humanidade sobre seu ambiente e destino ainda é apenas isto: uma fantasia. Então, minha dica é: abrace a realidade da incerteza e aproveite o passeio. 

Conheço pessoas que acreditam que até o amor ser bom, ele é tão ruim. Tão ruim. E é bem ali que moram as sabotagens, a irresponsabilidade afetiva, a falta de fome, a sudorese, as inseguranças. Uma certa dose de masoquismo, quem sabe. Somos como “serial-lovers” atrás de quem atenda nossa demanda de amor e, com isso, vamos nos alimentando de pequenas misérias. Amores-sintomas, amores-canalhas, amores-vodka-barata, amores-caladas-da-noite, amores-cadela e nada mais.

Então tem algo de absurdamente ruim no amor – ou no que se pretende sê-lo. E há de se ter fôlego e a paciência dos amantes para ver, sentir, mandar embora ou deixar ficar. Esperar o amor ficar bom. Certa vez, na página 87 de um livro velho, me dei conta de um verso, curto e grosso, assimétrico, que interrogava: “se você me ama, por que não se concentra?” Nada ver com Bauman e sua liquidez. Entendi, como num encontro teso, que amar tem a ver com concentração. Tem a ver com os felizmente inexplicáveis modos de pausar as mãos e ocupá-las. Pois veja só: amamos verdadeiramente quando não sabemos mais o que fazer com as mãos. 

Não há despertar da consciência sem dor

Em Memórias, Sonhos e Reflexões (1961), uma compilação de entrevistas textos em formato de autobiografia, Carl Jung pontua que o mundo no qual penetramos pelo nascimento é brutal, cruel e, ao mesmo tempo, de uma beleza divina. Não há despertar da consciência sem dor. As pessoas farão de tudo, chegando aos limites do absurdo para evitar enfrentar sua própria alma. Ninguém se torna iluminado por imaginar figuras de luz, mas sim por tornar consciente a escuridão.

Uma análise psicanalítica não oferece uma vida com ganhos, com vitória, com sucesso, com felicidade (seja lá o que isso for), mas frequentemente nos possibilita a queda de uma dicotomia entre perder e ganhar, e uma disjunção entre razão e felicidade. Em resumo, nos traz mais perto para as reais necessidades de nosso espírito. Não é fácil. Dói. Mas os resultados, com comprometimento, podem nos ajudar no livramento de prisões que nos são muito sutilmente impostas em “contratos sociais”.

Como diria Ana Suy, psicanalista: “Você prefere ser feliz ou ter razão?” – Como se na neurose fosse possível dissociar uma coisa da outra. Na neurose o sujeito põe “tudo a perder” pra não perder o que mais lhe importa: a fantasia narcísica de estar no controle de algo. O neurótico é aquele que, para não correr o risco de perder o jogo, sequer joga. Assim, não perde, mas também não ganha. Nesse ínterim, só é possível ser “feliz” (insira todas as aspas do mundo nesse “feliz”), tendo razão. 

A procura por divórcio tem aumentado durante o período de isolamento social provocado pela pandemia da Covid-19. Segundo a advogada da área de Família e Sucessões, Débora Guelman, o convívio intenso em virtude da quarentena tem sobrecarregado física e emocionalmente as famílias brasileiras. Em números absolutos, os divórcios consensuais passaram de 4.471 em maio para 5.306 em junho de 2020. Houve crescimento em 24 estados brasileiros, especialmente no Amazonas (133%), Piauí (122%), Pernambuco (80%), Maranhão (79%), Acre (71%) Rio de Janeiro (55%) e Bahia (50%). Segundo o levantamento, apenas três unidades federativas não viram crescimento neste período: Amapá, Mato Grosso e Rondônia. 

Faz-se necessário um verdadeiro acolhimento a essas pessoas que, seja pela quarentena ou não, deparam-se com o “encarceramento” de expectativas. Dividir a vida com alguém nos autoriza a dividir finanças, mas não só isso. É geralmente aquele parceiro que acolhe as suas angústias, dores, inseguranças e medos. 

Eu o convido a ressignificar essa história

Buscar ajuda na sua rede de apoio neste momento mostra-se crucial. Além disso, se as ansiedades e tristezas estiverem foram do usual, recomenda-se ajuda profissional. É na fala que podemos tornar aquilo que nos angustia em algo real, e a partir daí dar prosseguimento a novos planos, por mais que este pareça ser um ano interrompido, ele não é. Nossos sonhos ainda existem e ferramentas para que eles aconteçam precisam ser buscadas. Lido constantemente na minha prática profissional com eventuais traições, términos e outras formas de decepção.

Não é fácil. Mas com uma ajuda profissional e da sua rede de apoio, eu o convido a ressignificar essa história. 

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Referências Bibliográficas:

Luto e Melancolia. Edição Standard Brasileiras das Obras Completas de Sigmund Freud, v. XIV. Rio de Janeiro: Imago, 1917 [1915]/1974. 

Kubler-Ross E. On death and dying. New York: Scribner; 1969. 

Fabiano Saft
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