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O que faria realmente seu filho se tornar uma pessoa feliz?

A infância feliz

Fui surpreendida por um artigo que dizia “Seu filho precisa mesmo ser tão feliz? ”. 

A autora Cris Leão tece comparações sobre os filhos do passado (nem tão remoto assim): sonhar com um trabalho interessante, brincar de pega-pega, fazer comidinhas com plantas do jardim e compara com o que se tem hoje por sinônimo de felicidade.

A autora se diz assustada com pais estressados, trabalhando duas vezes mais do que gostariam para garantir a seus filhos uma viagem a Disney antes dos 10 anos.

Morar em grandes cidades, é claro, inviabiliza muitas das opções acima, mas ainda existem os jogos de tabuleiro, as massinhas, os fantoches de feltro. Ter os pais ao seu lado brincando com eles é o que toda criança quer, mais do que tudo na vida. 

Na minha clínica, muitos pais pedem para as crianças entrarem com o celular; “senão não vão parar quietos” , e… SURPRESA!, brincamos durante 50 minutos com jogos simples e bonecos e eles ainda pedem para voltar logo.

O psicanalista Donald Winnicott (1946) afirma que quando uma criança é auxiliada nos estágios iniciais por seu próprio lar, ela desenvolve o que denominou de “ambiente interno”, a capacidade para controlar-se. Entretanto, quando isso não acontece, ou seja, quando a criança não teve a oportunidade de criar um bom “ambiente interno” ela “necessita absolutamente de um controle externo se quiser ser feliz e capaz de brincar ou trabalhar” (p. 123).

Entendida dessa maneira, percebe-se que a tendência antissocial leva a criança a olhar um pouco mais longe, “recorrendo à sociedade em vez de recorrer à família ou à escola para lhe fornecer a estabilidade de que necessita a fim de transpor os primeiros e essenciais estágios de seu desenvolvimento emocional” (p. 122).

Aí é que entra a Disney, afinal se todos os amiguinhos podem ir, porque é que a sua criança vai ser privada disso? E realmente é difícil resistir e mais fácil ceder, pois a criança já projeta fora de si as fontes de satisfação. 

Mas, esmiuçando mais a experiência da Disney (e esse é só um exemplo) a autora do texto tem passe livre ao parque, porque trabalha como tradutora para eles, e ela comenta que nunca viu tanta criança triste num lugar. “Chorando, cansadas, angustiadas, com as mães e os familiares estressados. Claro, já viu o tamanho do lugar? E a quantidade de informação? E imagina a frustração dos pais, que não tiveram nada disso se depois de tudo o filho sair do brinquedo chorando”.

Ainda o dr. Winnicott (1946) vê na tendência antissocial um sinal de esperança, pois a criança inicia uma busca pela estabilidade que lhe faltou no lar como estratégia para não enlouquecer. E se conseguir encontrar o sentimento de segurança em tempo oportuno, conseguirá, gradualmente, avançar da dependência (e da necessidade de ser cuidada) para a independência.

Mas, vejamos, não seria mais fácil e não teria melhor índice de eficácia se eles encontrassem dentro de seus próprios pais essa estabilidade?

O objetivo de educar uma criança não deve ser o de manejar e controlar sua agressividade, mas sim oferecer ambientes estáveis e confiáveis para que ela possa conhecer e tolerar como parte de si mesma o conjunto total de sua agressividade (a destrutividade, a capacidade de odiar).

Sim, seu filho precisa saber que ao ser contrariado ele pode sentir raiva, que mesmo assim você o continuará amando (e mesmo assim contrariando).

Aprender a lidar com a frustração

Parece muito estranho num tempo em que ser feliz é o lema, mas ser frustrado é muito necessário, afinal, o mundo lá fora sempre vai nos frustrar, mais cedo ou mais tarde.

Ao ajudarmos as crianças a lidarem com as frustrações desde pequenas, estamos evitando que pensem em morrer logo que o primeiro namorado as deixe, ou que não consigam arrumar um primeiro emprego satisfatório.

Há pouco tempo atrás, houve uma tentativa (graças a Deus frustrada) de “pasteurizar” as histórias infantis. Assim o lobo não comeria a vovozinha, a madrasta não seria lá tão má assim e assim por diante. Mas os psicólogos saíram em defesa dos vilões ferozmente e conseguiram evitar a catástrofe. Afinal, num mundo de seres bonzinhos e perfeitos, onde as crianças achariam exemplos para espelharem sua própria maldade?

Continuando com a ajuda do dr. Winnicott (1946), “uma criança normal não é aquela que se comporta de modo sempre desejável, mas sim aquela que usa de todos os meios possíveis para se impor, colocando à prova seu poder de desintegrar, destruir, assustar, cansar, manobrar, consumir e apropriar-se”.

Seu lar tem que ser capaz de resistir às suas tentativas de desorganizá-lo. Aí ela vai sentir que se encontra em terreno firme, que tem continência. Não nos enganemos, ela vai tentar testar seus limites, especialmente quando tiver alguma dúvida sobre a estabilidade dos pais e do lar.

Os adultos a a autoridade

A autora do texto a que me referi no iniciei deste meu artigo, brinda-nos com mais experiências a nos convencer de tomarmos as rédeas da educação de nossos pequenos:

Uma vez eu li o livro Encantador de Cães e fiquei fascinada com o raciocínio simples que o genial Cesar Millan escreve ali. Ele diz que cães só vão obedecer quem eles respeitam. E para ganhar respeito é preciso ser a autoridade, é preciso colocar ordem antes do amor.

Agora tente trocar a palavra “cães” por “filhos”, dá no mesmo. Autoridade é o contrário de democracia. Os pais não podem estar sempre abertos a “o que querem comer, o que vamos fazer hoje, onde vamos passar as férias”.

Entende como é complicado para a criança ouvir isso? Sentir que não existe uma ordem. Ela no auge dos seus 4 anos (ou por volta disso) é que precisa saber, querer e lidar com seus desejos. Meu Deus, está tudo errado aí. No meu tempo de criança, minha mãe interrompia a brincadeira trazendo uma bandeja com uma limonada fresca e biscoitos Maria.

Sempre que lembro dessa cena (que aconteceu várias vezes) ela aparece iluminada como uma fada. O que eu sentia era: Nossa, ela é mágica! Como ela sabe que estamos com fome e com sede? Teria sido bem diferente se ela tivesse aparecido e perguntado: querem lanchar? Vão querer sorvete ou pode ser biscoito mesmo? Estava pensando em fazer uma limonada, vocês vão beber? Ou é melhor eu trazer um suco de uva?

Educar não é fácil. Educar para conseguir adultos integrados e resistentes a frustrações, então… Mas é só nossa presença como pais, ao lado deles, e mostrando que nem tudo são fogos de artifício e jogos com muitas explosões é que conseguiremos adultos que possam buscar por si mesmos a própria felicidade.

Referências bibliográficas:

  1. LEÃO, Cristina. Seu filho precisa mesmo ser tão feliz? Disponível em: https://antesqueelescrescam.com/2013/11/21/seu-filho-precisa-mesmo-ser-tao-feliz/
  2. WINNICOTT, Donald Woods.  Privação e delinquência. 2. ed. Rio de Janeiro: Martins Fontes, 1994a. Edição original: 1939.