A Criança frente à morte de uma pessoa querida

A Criança frente à morte de uma pessoa querida

É extremamente difícil nos despedirmos de alguém que amamos, mesmo que a realidade da morte seja o destino final de todo ser vivo. Além de passarmos pelo nosso próprio processo emocional diante da perda de uma pessoa querida, algumas vezes temos nossos filhos, netos, sobrinhos, que também estão passando pelo processo de luto. 

Vamos compreender o luto como um processo emocional que se inicia com uma perda significativa, e entre as várias perdas vivenciadas ao longo da vida, temos a morte. De todas as separações, a morte é a mais temida seja quando se refere a nós mesmos, seja de uma pessoa querida.

Pangrazzi (1998) considera que quando se perde alguém querido vive-se um tipo especial de condolência denominada luto. Ele define o termo condolência como a resposta pela perda de alguém ou alguma coisa, e essa resposta manifesta-se no processo de reações pessoais que se seguem a um afastamento. O termo luto é a condolência pela morte de uma pessoa querida: manifesta-se com sinais externos visíveis, comportamentos sociais e ritualidades religiosas. 

A condolência é a consequência de nossos apegos afetivos e sua intensidade é proporcional à força do apego. Pangrazzi (1998) destaca que um individuo pode reagir menos intensamente à morte de uma pessoa do que à perda de um objeto menos significante, mas que tinha posto um maior investimento emotivo. Como exemplo, perder um animal de estimação muito querido pode desencadear sentimentos e emoções mais profundos do que saber sobre a morte de um vizinho o qual conhecia mas que não tinha desenvolvido um apego profundo. 

A perda pode não estar relacionada apenas a seres vivos, mas também a relações como um namoro ou o casamento, a objetos como carro, casa, o fogão de cozinha que era da vovó, ou a blusa que a mamãe deu. Entre muitos outros exemplos, a perda está relacionada a tudo aquilo em que investimos nossas emoções, nossos sentimentos, que nos apegamos. 

O luto infantil

Viver a perda e falar sobre ela não é fácil em nenhuma etapa da vida. Esse momento é vivido com muita dor e sofrimentos por aqueles que já têm experiencias o suficiente para entender aquela perda, para compreender o que é a morte. Para uma criança que está aprendendo o mundo, que está descobrindo seus sentimentos e emoções, esse processo pode ser ainda mais difícil.

Para entender o luto infantil é necessário compreender que o luto da criança é vivido de forma diferente do luto do adulto, considerando que a criança não passou por experiências o suficiente para entender, por exemplo, que pode sobreviver sem a presença de um genitor que tenha falecido, ou mesmo que ao morrer a pessoa não vai voltar. 

As crianças expressam suas emoções diante da perda. Algumas das expressões emotivas mais comuns das crianças diante da morte, para Pangrazze (1998), são a tristeza pelo que aconteceu, a raiva de ter sido abandonada, o medo de ser deixada sozinha, o temor de que o pai ou a mãe venha a morrer e o sentimento de culpa por pensar ter causado a morte.

As crianças pequenas podem demonstrar interesse em saber o que aconteceu, como e por que ocorreu o falecimento. Contudo, pode acontecer, em algumas situações suas perguntas são respondidas de forma evasiva, ou nem mesmo são respondidas, o que dificulta o enfrentamento desse momento de perda e pode causar mais sofrimento à criança. 

Pontos que podem dificultar a compreensão da criança sobre a morte

A comunicação da morte de um ente querido à criança é um momento difícil para a família, que algumas vezes fica paralisada diante do próprio sofrimento pela perda, e podem não se disponibilizar a prestar maiores esclarecimentos à criança e compartilhar os sentimentos decorrentes da perda com ela, ou mesmo permitir que a criança participe dos rituais fúnebres.

Ao estudar as reações de crianças pequenas à perda Bowlby (1993) aponta que quando morre um parente próximo à criança, os adultos normalmente estão presentes ou logo ficam a par da notícia. Mas a fim de proteger a criança ou pela própria dificuldade em comunicar a perda, muitos adultos não passam informações claras sobre a morte para a criança ou algumas vezes passam informações enganosas. 

Por vezes a informação que chega à criança é que a pessoa que faleceu foi para o céu, que está com Deus, ou que foi viajar. Esses dizeres variam de acordo com as crenças religiosas dos responsáveis. Bowlby(1993) afirma que, a menos que isso seja dito de outra maneira, a criança pequena pensará naturalmente que o céu não é diferente de outros lugares distantes e que a volta é apenas uma questão de tempo.

Outro ponto é o uso de figuras de linguagem para falar da perda de parentes mais velhos, como avós, onde os pais podem utilizar de uma figura de linguagem para explicar sua morte, como dizer que eles foram dormir. Segundo o Bowlby(1993), uma criança, pelo pouco conhecimento em relação a figuras de linguagem, acaba entendendo essa fala de maneira literal. O que pode ocasionar que a criança, mais tarde, encare o adormecer como algo perigoso.

Como trabalhar a questão da perda e da morte com a criança?

É importante passar informações claras à criança de modo que ela possa entender a perda. Contudo é necessário ter o cuidado para adequar a informação dada à capacidade da criança de compreendê-las. 

Ao conceber as modalidades de comunicação das crianças como diferentes das dos adultos, Pangrazzi (1998) fala sobre os canais de expressão privilegiados para comunicar à criança sobre a realidade da morte, de acordo com a idade.

Os livros, as historinhas, as fábulas e desenhos animados infantis, podem ser úteis para introduzir as crianças na compreensão da morte e facilitar o entendimento da perda. Como o Desenho “Bambi” animação da Disney de 1942 ou “O Rei Leão” animação da Disney de 1994, onde existe a perda dos genitores dos personagens. Bambi (o pequeno veado) perde a mãe e Simba (o filhote de leão) perde o pai para a morte no decorrer da história.

Outro ponto importante é compreender a maneira que a criança, de forma lúdica, diz sobre o que está vivendo e sentindo. Sobre a expressão lúdica, Pangrazzi (1998) aponta que além das manifestações comportamentais a criança tende a se comunicar a partir da brincadeira e do desenho, o que permite ao adulto se aproximar dela, entender suas reações, dialogar a nível verbal ou não verbal, e estabelecer uma relação de ajuda.

A brincadeira. Serve para reatualizar os funerais e dar vazão ao seu mal-estar e às suas necessidades. O desenho é o recurso para narrar sua história interior por meio dos temas que esboça e das cores que usa.

Para facilitar a compreensão da perda para a criança, é necessário que seu responsável esteja disponível para confortar e partilhar a dor. É importante proporcionar informações claras a respeito da perda, como informar que, no caso de morte, a pessoa não voltará nunca e que foi enterrada no chão. Além de se colocar disponível para esclarecer as dúvidas da criança em relação a perda e permitir que ela possa compartilhar seus sentimentos sem restrições.

A ajuda psicológica relacionada ao processo do luto 

O luto não é visto como uma doença, mas como um processo emocional diante de uma perda significativa, que pode afetar profundamente nosso comportamento, nossos sentimentos, emoções, e nossa forma de viver a vida. Sendo assim o trabalho com o luto visa facilitar a expressão de sentimentos, emoções e experiencias relacionadas ao que foi perdido, lembrando que a perda pode estar relacionada a pessoas, objetos, relacionamentos, etc. 

Existem muitas formas de expressar, entre elas o verbalizar (conversar), o brincar (utilizar-se do meio lúdico para mostrar aquilo que está acontecendo), a arte (desenhos, pinturas, dança, teatro, etc.), etc.  Expressar-se sobre a perda pode trazer à tona sentimentos e lembranças dolorosas, contudo é um momento importante para aceitação da perda. 

Muitas pessoas trancam dentro de si tudo aquilo que está vivendo e pode estar causando sofrimento, os sentimentos, as emoções, os pensamentos e lembranças, sendo assim é importante na terapia que coloquem tudo isso para fora, para que consigam ressignificar e superar esse momento delicado da perda.

O trabalho psicológico com a criança que passa por um processo de perda, visa entender, muitas vezes através de brincar e do desenho, como a criança está compreendendo esse momento, o que essa perda significa para ela, como tudo que está acontecendo está afetando ela. E a partir daí realizar a intervenção, se necessário. 

Cada pessoa, criança ou adulto, é única, cada um traz as suas próprias questões ao buscar ajudam psicológica e é a partir do que é pessoal, do que é único, que iniciamos o trabalho psicológico.

Referências bibliográficas

  1. BOWLBY, J. (1993). Perda: tristeza e depressão. In Apego e perda (Vol.3). São Paulo: Martins Fontes.
  2. PAGRAZZI, A. (1998). Convivendo com a perda de uma pessoa querida. São Paulo: Paulinas.
Aline Christina de Almeida Novaes
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