Psicologia humanista: o que é, quais suas bases culturais e filosóficas?

Psicologia humanista: o que é, quais suas bases culturais e filosóficas?

“Percebo que se fosse estável, prudente e estático, viveria na morte. Portanto, aceito a confusão, a incerteza, o medo e os altos e baixos emocionais, porque esse é o preço que estou disposto a pagar por uma vida fluida, rica e excitante.“ – Carl Rogers.

 

O Humanismo renascentista

Por Humanismo entende-se o movimento histórico-cultural iniciado no fim do séc. XIV e início do séc. VX, período conhecido historicamente por Renascimento, onde o zeitgeist, a visão de mundo, moveu-se mais profundamente da relação do homem com a natureza e o divino para uma relação do homem com o próprio homem, quando a preocupação filosófica era sobre o valor do homem e a compreensão do contexto deste com o mundo que o cerca.

Em verdade, o Humanismo se refere a uma construção de uma doutrina, um modo de pensar, tomando como critério a diferenciação do ser humano de qualquer outro ser existente, entendendo-o em sua existência própria, movimento esse que tem suas raízes em pensadores muito anteriores ao período histórico assim denominado.

Os primeiros filósofos a esboçar um modo de pensar que colocasse o homem como o tema central foram os chamados Sofistas (séc. V a.C.), sendo Protágoras de Abdera o seu principal expoente, o qual cunhou o mote desse movimento filosófico: “O homem é a medida de todas as coisas; das coisas que são enquanto são, e das coisas que são enquanto não são”, o que quer dizer que apenas o ser humano é capaz de dizer de si e da sua existência, apenas ele é o “ser em si” aristotélico. 

O período histórico denominado Renascimento, que traz em seu bojo o pensamento humanista, foi um processo político-social impulsionado pelos ideais da burguesia (produtores, artesãos e comerciantes que viviam nas fortalezas denominadas “burgos”), a qual encontrava-se profundamente insatisfeita com as amarras ao desenvolvimento econômico, impostas pela cultura da época, especialmente no que tange à Igreja Católica, que influenciou toda a dinâmica social.

Pelo advento da imprensa, o progresso das grandes navegações e do conhecimento científico em geral, o fortalecimento econômico – e portanto, político – da burguesia, o crescimento demográfico decorrente dessas melhorias sociais, houve o declínio do sistema feudal, momento em que surge esta nova visão sobre o ser humano, pautado no cientificismo, confrontando os dogmas religiosos de então

O antropocentrismo veio substituir o teocentrismo, posto que a verdade passou a ser concebida não mais como emanação de Deus, mas do saber humano, da busca incessante pela mesma através do pensamento reflexivo e empírico, não mais compactuando com dogmas preconcebidos.

A visão de mundo e da própria existência centralizar-se-ia não mais nas forças da natureza, como no mundo grego, ou em um Deus, como no mundo feudal, mas sim no próprio homem e sua capacidade de compreensão e posicionamento diante da realidade.

Nesse sentido, a busca por conhecimento ganhou um extremo fomento, indo buscar na fonte da antiguidade clássica (filosofia) o respaldo para o espírito cientificista e reforço da razão e da ciência.

O homem renascentista deixa de ser criatura, sujeita aos desígnios do destino, e passa a ser criador, pleno de livre arbítrio e autodeterminação, tal como preconizado na Declaração dos Direitos Humanos da ONU.

O Humanismo Psicológico do século XX

No âmbito da psicologia, em fins do séc. XIX e início do séc. XX, o movimento cientificista promove uma busca por atrelar esse campo de estudo do ser humano ao modelo positivista em voga, por meio da investigação experimental dos fenômenos psicológicos atrelados ao mundo físico, fora da abstração teórica, filosófica.

Abre-se caminho para um método de investigação científica, no âmbito da Psicologia, fundamentado na compreensão do fenômeno, mais do que a descrição do mesmo, de maneira idiossincrática e monotética, ou seja, cada indivíduo sendo avaliado e compreendido segundo as suas próprias circunstâncias e seus potenciais únicos diante da doença.

Em 1930, surge nos EUA a chamada “terceira força” da psicologia, ou seja a psicologia humanista, a qual primava por ser uma vertente contrária e desejosa de suplantar a “primeira e segunda força”, quais sejam, o behaviorismo e a psicanálise, respectivamente.

Mais tarde, por volta de 1960, é que a Psicologia Humanista veio a consolidar-se em seu caráter institucional, obtendo aceitação como ramo ou abordagem psicológica. Isso ocorreu muito devido ao próprio Zeitgeist daquela época, com o movimento conhecido como Contracultura, onde mudanças políticas e sociais vieram a contestar o establishment em termos mundiais com um discurso muito aproximado da Psicologia Humanista, que sustentava a condição de independência dos condicionamentos seja internos ou externos, e do potencial de autorrealização do indivíduo.

Baseando-se no existencialismo enquanto construto teórico e na fenomenologia enquanto alicerce prático, a psicologia humanista aborda temáticas diversas, primando pela visão positiva sobre o ser humano, dando mais ênfase ao estudo das capacidades e potencialidades do indivíduo acometido de alguma patologia, do que à doença em si, em que pesem as diversas críticas recebidas no início acerca da fundamentação filosófica da abordagem, que acompanhou o pensamento de Albert Camus entre outros sobre o “absurdo da vida”, o lado obscuro e amargo da existência.  

A questão é que a psicologia humanista, apesar do olhar filosófico para a situação inexorável do sofrimento humano – tal e qual o mito de Sísifo, condenado a eternamente exercer uma atividade extenuante e aparentemente despropositada – que leva a uma definição, a princípio, negativista sobre a vida, esta abordagem abraça, como nenhuma outra, a ideia de que o homem é a medida de todas as coisas, e que só a ele cabe dar sentido e propósito à sua existência –  a qual precede à essência, como quer Sartre – e portanto, apesar e para além de qualquer circunstância, o homem é aquilo que escolher e se propor a fazer de si mesmo, como no pensamento nietzscheniano.

Por fim, cumpre mencionar que todo esse percurso de advento e desenvolvimento da “terceira força” em psicologia nunca poderia ter se realizado sem a participação ativa e aguerrida de nomes ilustres da ciência psicológica em geral.

Alguns célebres psicólogos humanistas

Abraham Maslow trouxe as contribuições mais profundas, através de suas pesquisas com foco na motivação e autorrealização, mediante a qual fundamentou o conceito da Pirâmide das Necessidades, onde as motivações humanas foram categorizadas e escalonadas em determinada ordem, culminado na autoatualização, ou seja, no sujeito que detém satisfeitas, ou ao menos passíveis de serem satisfeitas, as necessidades de cunho inferior como fisiológicas, sociais, de trabalho etc.

Acolhendo e aprimorando as ideias de Maslow, Carl Rogers criou a teoria psicológica denominada Terapia Centrada na Pessoa (TCP), baseado na motivação mediante as forças positivas do sujeito, ou seja, nas características não afetadas pela patologia, que sustentam a dignidade e valor da pessoa, possibilitando a realização construtiva de todas as possibilidades acessíveis.

Outro nome relevante é o de Rollo May, que reelaborou o conceito freudiano de inconsciente, trazendo a compreensão do mesmo como uma potencialidade de experiência, ou seja, o conteúdo psicológico não é inconsciente, mas sim ainda não acessado pelo sujeito, o que se dá, segundo ele, pelo registro percepcional.

Alfred Adler, por sua vez, traz o conceito de fator motivacional humano, de busca pela perfeição e excelência, apoiado nas ideias de filósofos existencialistas.

Vários outros nomes, conceitos e ideias poderiam ser colacionados, como Viktor Frankl (Logoterapia), Erich From (Caracterologia), Roland Laing (antipsiquiatria) e Fritz Perls (Gestalt-terapia) – da qual somos partidários – bem como todos os psicólogos que pensaram e pesquisaram dentro do campo da Psicologia da Personalidade, como William James, Gordon Allport, Henry Murray.

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