Como a perda repentina é abordada pela fenomenologia existencial

Como a perda repentina é abordada pela fenomenologia existencial

‘’A Finitude aquarela a vida. Desde que chegamos aqui estamos em um ciclo onde há começos e fins e (re)começos. Porém, o paradoxo da existência está em que quando compreendo a realidade do fim, posso então eternizar pedaços da existência. O lindo movimento da dialética da vida. Tudo coexiste.’’

Diferentemente de outros países, que possuem grandes potenciais para a ocorrência de catástrofes naturais, o Brasil se torna favorecido, já que o território brasileiro possui uma resistência a ciclones, abalos sísmicos, etc., contudo, isto é apenas uma inautêntica impressão, uma vez que as situações de desastres, catástrofes, emergências ou acidentes podem surgir inesperadamente. 

Quando os desastres têm causas não-naturais, podem ficar nítidas as consequências das ações humanas, frente às consequências da urbanização crescente, pobreza e meio ambiente, por exemplo.

Mesmo situado em uma zona geograficamente favorecida a não ocorrência de catástrofes naturais de grandes magnitudes, o país ainda sofre com desastres naturais como enchentes, inundações, deslizamentos de encostas e morros, incêndios, além de condições diretamente provocadas pelo homem, como sequestros relâmpagos, acidentes de transporte, conflitos armados, violência urbana, tráfico de drogas e, mais atualmente, a pandemia de COVID-19 que, muitas vezes, geram consequências tão ou mais gravosas como a perda repentina. 

Nesta perspectiva, independente dos diversos graus de destruição, todos acarretam danos materiais e humanos. São fatalidades que desencadeiam a vulnerabilidade do ser humano e, frequentemente, acarretam um substancial desamparo adjunto a traumas que podem ser permanentes ou não, tanto para os sobreviventes, para suas famílias ou para aqueles que perderam seu ente querido.

Os traumas e o esgotamento físico e emocional

Nestes cenários, os desastres, catástrofes, emergências ou acidentes podem ser classificados como episódios de esgotamento físico e emocional, por sua condição inesperada e pelo risco iminente que constituem aos indivíduos envolvidos, solicitando, consequentemente, intervenções imediatas.

São esperadas reações emocionais muito intensas em situações de emergência, que em sua grande maioria podem ser consideradas como compatíveis com o momento traumático vivenciado. Por este motivo, a intervenção precoce se torna a mais efetiva em qualquer problemática na saúde mental, pois assim podemos evitar o aparecimento de outros transtornos a médio e a longo prazo, após o evento traumático. 

Pesquisas demonstram que 75% das pessoas expostas a uma situação traumática precisam ser muito bem avaliadas quanto à possibilidade de apresentarem distúrbios psíquicos com comorbidades associadas, tais como: depressão, ansiedade, fobia, abuso de drogas e álcool (Freedy, Saladin, Kilpatrick, Resnick & Saunders, 1994; Giel, 1990; Green, 1994).

Isto posto, visando auxiliar, aliviar ou resolver os efeitos produzidos por tais anomalias, torna-se necessário uma intervenção externa de ajuda, restabelecendo-se, assim, a normalidade.

Vivenciar uma crise é uma experiência normal de vida, que reflete oscilações do indivíduo na tentativa de buscar um equilíbrio entre si mesmo e o seu entorno. Quando este equilíbrio é rompido, está instaurada a crise, que é uma manifestação violenta e repentina de ruptura de equilíbrio. Essa alteração no equilíbrio, gerada por um fracasso na resolução de problemas que o indivíduo costuma utilizar, causa sentimentos de desorganização, desesperança, tristeza, confusão e pânico (Wainrib & Bloch, 2000). 

Faz-se necessário sempre levar em conta a percepção do indivíduo frente ao evento, e não só a gravidade do mesmo isoladamente, pois podem ser vários os fatores precipitadores de uma crise, que pode decorrer do evento estressor em si, além do significado que o indivíduo possa vir a dar aos fatos, em termos de ameaça ou dano a si, assim como da avaliação dos recursos disponíveis para o necessário enfrentamento da situação.

Para isso, Giovanetti (2012) afirma que precisamos entender que um dos grandes desafios da Psicologia Clínica é a explicitação de uma concepção de ser humano que lhe sirva de parâmetro para o trabalho clínico. Uma vez que a ciência que possibilita lançar as bases para esse trabalho é a filosofia.

A Psicologia Existencial

Dentro das diversas abordagens teóricas da atividade clínica, a Psicologia Existencial vai buscar na reflexão filosófica, sua inspiração para compreender melhor o ser humano e, com isso, ajudá-lo a enfrentar o mal-estar da existência e os sofrimentos, que podem advir de seu caminhar na condição de ser-com e de ser de possibilidades consciente de sua responsabilidade e liberdade. (Feijoo, 2000) 

O sentido da intervenção em psicoterapia existencial situa-se em facilitar o encontro da autenticidade do paciente a partir de si mesmo, questionar seus projetos e assumi-lo de forma livre, uma liberdade de escolha que também gera a responsabilidade por suas decisões. (Teixeira,2006). 

Segundo o mesmo autor, através do método fenomenológico, procura-se compreender os significados que o indivíduo constrói nas quatro dimensões de sua existência:

  • Físico,
  • Social,
  • Psicológica,
  • Espiritual. 

O terapeuta, especificamente na abordagem existencialista, se coloca mais livre, sem engessamentos técnicos, trabalhando com a espontaneidade da relação com seu cliente, deixando fluir o fenômeno em toda sua essência, quando pode pontuar e refletir com o que se apresenta no momento.

Sendo assim, para enfrentar um trauma, a primeira condição é enfrentá-lo, pois em termos de comportamento humano, salvo algumas exceções, a tendência é tentar reduzir o que é doloroso e desagradável. Uma vez que a partir dele o indivíduo pode se sentir desamparado, necessitando de autocompreensão, autoconsciência e autodeterminação, afim de facilitar o encontro com o significado da sua existência.

Toda terapia que visa lidar com situações traumáticas passa necessariamente por recordar e rememorar a situação. E a busca pelo sentido é um fator fundamental. Uma primeira aproximação à pertinência da intervenção em saúde mental nos desastres é ajudar as pessoas afetadas a pensar sobre o sentido que tal evento tem pra elas, para seu grupo e para sua comunidade. É lógico que essa busca ao sentido nos remeterá às suas histórias individuais e grupais, que não são tão óbvias. (Heredia, 2006).

A logoterapia e o sentido da vida

Torna-se necessário submeter esses indivíduos a uma nova busca de sentido em tempos de medo e tensão, buscando alternativas para a superação destas adversidades. Pois muitas reflexões precisam ser realizadas neste período crítico, e a abordagem psicoterapêutica que se propõe a analisar o sentido da vida é a logoterapia.

Logoterapia, é uma palavra derivada do grego “logos”, que significa sentido, assim, é possível entender logoterapia como o “tratamento através do sentido”.

O sentido é aquilo que é preciso fazer diante de cada situação que se apresenta diante do homem. Mas além de uma necessidade, o sentido é uma possibilidade e, assim que realizado, fica guardado e protegido no passado na forma de uma realidade.

A terapia que tem como base a doutrina de Frankl não objetiva chegar a um sentido por meio do tratamento, mas o contrário: Seria pelo sentido que o tratamento se daria. Esse cuidado oferecido, no entanto, não implica que o psicólogo dê um sentido para a vida de seus pacientes. Isso porque o sentido só pode ser encontrado pela própria pessoa e em algo externo a ela. 

Frankl (1984) esclarece que não calha pensar “no sentido da vida’’, assim como não calha dizer qual a melhor jogada do xadrez, sem saber quais as condições particulares de cada partida e a personalidade singular do adversário. 

Essa vontade, essa busca de um sentido para a vida é a expressão do que de mais humano há no homem, pois só ele é capaz de vivenciar a existência como algo problemático. O sentido é aquilo que é preciso fazer diante de cada situação que se apresenta diante de nós, dado que cada situação é única e irrepetível. Para responder à vontade de sentido, Frankl aponta três caminhos. 

Os três caminhos para responder à vontade de sentido

O primeiro deles seria por meio de atividades criadoras, em que realizamos ativamente algo. O segundo, pela contemplação (da natureza ou da arte) e do amor dedicado a outro ser. E por fim o homem também pode conferir sentido à vida por meio do sofrimento.

Não o sofrimento evitável; mas sim aquele vindo de situações sobre as quais nada se pode fazer. Nesses casos, o autor acredita que conforme o homem se posiciona frente às suas dores e dificuldades, ele preenche sua vida de sentido.

Portanto, apesar de não ser possível a nenhum psicoterapeuta indicar ao paciente um sentido, ele pode lhe afirmar que a vida tem um sentido, mesmo nas situações mais degradantes como no caso de desastres, catástrofes, emergências ou acidentes pois o impacto da tragédia modifica o comportamento. As reações emocionais podem oscilar do pânico ao abatimento afetando, de acordo com as características individuais, de forma diferente as pessoas. 

Intervir em uma crise significa introduzir-se de maneira ativa em uma situação vital para um indivíduo e auxiliá-lo a mobilizar seus próprios recursos para superar o problema, recuperando, dessa forma, seu equilíbrio emocional (Raffo, 2005). 

A busca pelo sentido é vital, já que pode ser trabalhado os aspectos positivos e criativos do ser humano nestes eventos, e não apenas a questão do trauma como patologia. Podendo o trabalho do psicólogo ser voltado para a promoção da saúde de forma plena e não apenas empenhando-se em um aspecto das manifestações psicológicas em situações de emergência como o adoecimento psíquico.

Assim, intervenções nestas situações se convertem em um ingrediente essencial para o tratamento da situação traumática no processo de recuperação das pessoas envolvidas nesses eventos. 

Referências:

  1. ERIKSON, E. (1971). INFÂNCIA E SOCIEDADE. RIO DE JANEIRO: ZAHAR. (ORIGINAL PUBLICADO EM 1950) FREEDY, J. R.; SALADIN, M. E.; KILPATRICK, D. G.; RESNICK, H. S. & SAUNDERS, B. E. (1994).
  2. FEIJOO (ORG) INTERPRETAÇÕES FENOMENOLÓGICO EXISTENCIAIS PARA O SOFRIMENTO PSIQUICO NA ATUALIDADE EDITORA GDN (VOZES) RIO DE JANEIRO 2008.
  3. FRANKL,VIKTOR E. PSICOTERAPIA E SENTIDO DA VIDA – QUADRANTE – SÃO PAULO 2A. EDIÇÃO. 
  4. GIEL, R. (1990). PSYCHOSOCIAL PROCESS IN DISASTERS. INTERNATIONAL JOURNAL OF MENTAL HEALTH, 19, 7-20.
  5. GIOVANETTI, JOSÉ PAULO PSICOTERAPIA FENOMENOLOGICO-EXISTENCIAL: FUDNAMENTOS FILSÓFICO- ANTROPOLÓGICOS – FEAD BELO HORIZONTE 2012.
  6. GREEN, B. L. (1994). TRAUMATIC STRESS AND DISASTER: MENTAL HEALTH EFFECTS AND FACTORS INFLUENCING ADAPTATION. EM: F. LIEHMAC & C. NADELSON (ORGS.). INTERNATIONAL REVIEW OF PSYCHIATRY (VOL. 2) (PP. 5-18). WASHINGTON, D.C. AMERICAN PSYCHIATRIC PRESS.
  7. HEREDIA, A. M. PSICOLOGIA E EMERGÊNCIAS SOCIAIS: INTERVENÇÕES NOS COTIDIANOS E EVENTOS. IN: I SEMINÁRIO NACIONAL DE PSICOLOGIA DAS EMERGÊNCIAS E DOS DESASTRES: CONTRIBUIÇÕES PARA A CONSTRUÇÃO DE COMUNIDADES MAIS SEGURAS, 2006, BRASÍLIA. ANAIS… BRASÍLIA: FINATEC/UNB, 2006. P. 68-71.
  8. RAFFO, S. L. (2005). INTERVENCIÓN EN CRISIS. APUNTES PARA USO EXCLUSIVO DE DOCENCIA. DEPARTAMENTO DE PSIQUIATRIA Y SALUD – CAMPUS SUR. UNIVERSIDAD DE CHILE. 
  9. TEIXEIRA, JOSÉ A. CARVALHO. PROBLEMAS PSICOPATOLÓGICOS CONTEMPORÂNEOS: UMA PERSPECTIVA EXISTENCIAL. ANÁ. PSICOLÓGICA, LISBOA, V. 24, N. 3, P. 405-413, JUL. 2006. 
  10. WAINRIB, B. R. & BLOCH, E. L. (2000). INTERVENCIÓN EN CRISIS Y RESPUESTA AL TRAUMA: TEORÍA Y PRÁCTICA. BILBAO: DESCLÉE DE BROUWER.
Leticia Camargos Teixeira
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