Homem e mulher antes de pai e mãe

Homem e mulher antes de pai e mãe

Temos um pensamento de que a maioria de nós se torna pai e mãe somente quando de fato tem um filho, mas não é bem assim que acontece, na realidade, toda a nossa ideia de pai e mãe começa com aquilo que vemos e vivemos na nossa infância. O fato é que começamos a ser pais desde nossa infância, no momento em que vemos e ouvimos nossos pais, temos um exemplo, uma ideia a se reproduzir e ao longo do nosso desenvolvimento até a vida adulta, algumas crenças vão se formando e se naturalizando.

Com isso, podemos ver que ainda persiste em muitas famílias uma naturalização do que seria função da mãe e do pai. Existe uma coisa chamada dispositivos de gênero ou os papéis de gênero, eles mostram como as atividades, pensamentos e ações foram atribuídas a homens e mulheres ao longo dos tempos, por exemplo, o homem sendo visto como principal provedor, o guerreiro que protege o lar e a mulher sendo vista como a calma e angelical que protege a todos e vive em função do lar.

Não tem nada de errado nessa estrutura familiar, o problema vem quando ela passa a ser a única opção e acaba se tornando um obstáculo e não uma escolha. Quando crescemos e começamos uma nova vida familiar, temos o papel de casal, homem e mulher e independente da escolha dessa família em deveres e divisões de tarefas, existem papéis e ações pré definidas socialmente e entre eles, mas quando um filho nasce, esses papéis mudam, o peso e ações se alteram e o tempo para si pode se perder entre essa nova fase desconhecida.

Dessa forma, devemos ter em mente que antes de pais e mães somos homens e mulheres, e não necessitamos perder essa essência, seja por questões sociais esperadas ou por adaptações de uma nova fase da vida, digo isso, pois ela se liga à autoestima, autoconfiança, identidade do casal, amigos, rede de apoio e vários outros pontos que nos constrói como pessoa, para além da parentalidade. Sendo assim, é importante saber quem somos como pessoa e casal antes de sabermos quem somos como país.

 

Não sei o que estou fazendo

Quando uma família aumenta, imaginamos todos os cenários, tem aqueles que acreditam estar cem por centro preparados e aqueles que deixam tudo para o final, mas a verdade é que mesmo que tenham imaginado e sonhado com o futuro, mesmo que tenha se preparado ou não, a realidade vai ser bem diferente e irá bater de frente.

Não me leve a mal, preparar-se é ótimo e fundamental, tanto que temos a psicologia perinatal e parental para isso. A situação de maneira geral é exatamente essa, a maioria dos pais não tem nem ideia do que está fazendo e permanece assim.

Em um primeiro momento pode parecer muito fácil buscar ajuda de um profissional qualificado, mas até chegar lá passamos por muitos ‘pitacos’ de familiares e vizinhos, muitas falas desestimulantes e muitos olhares preconceituosos, é como se um caminho já confuso ficasse ainda mais confuso. Um ponto a ter em mente é que essas dúvidas e medos são totalmente normais e compreensíveis, e podem ser esclarecidos, levando ao empoderamento e autonomia aos pais, ganhando mais consciência e certeza de quem se é dentro e fora da parentalidade.

Podemos dizer que toda a parentalidade vai ser um aprendizado, mesmo para aqueles que não estão no primeiro filho, cada nascimento e cada filho é único e nos levam a uma descoberta de si e do que acreditávamos ser certo ou errado. Dentro da parentalidade a confusão é certa e, muitas vezes, isso ocorre pela falta de ajuda e apoio qualificado e por esquecer algo fundamental, sendo esse o entendimento de que instinto materno não existe, não é algo natural que vamos acertar e saber lidar bem de primeira, podem ter momentos de beleza e momentos de dor.

A parentalidade é conhecer e reconhecer o outro, olhar para si mesmo como casal e como pais com um pouco mais de carinho, além de buscar entender seu filho, não somente as necessidade fisiológicas, mas do que ele gosta, onde se reconhece, e como consegue se conectar a você. Tirar um tempo de qualidade, por menor que seja, para passar com o seu filho é fundamental, pois assim, além da sua atenção está focada naquele momento, ele também vai aprender a te reconhecer como pai e mãe, figuras de autoridade e amor na sua vida.

Podemos dizer que aqui tentamos estabelecer um vínculo e apego seguro, tanto para a criança quanto para os pais, sem se esquecer de usar a rede de apoio e pedir ajuda sempre que necessário, não saber o que está fazendo ou precisar de um tempo é normal, o problema está em repetir velhos e o novos erros sem buscar ajuda, voz, apoio, profissionais e informação de qualidade

 

Sendo pai e mãe 

Podemos dizer, com tudo isso, que ser pai e mãe não é sobre simplesmente parir ou adotar uma criança, agir na parentalidade vai muito além disso, não é somente biológico, e sim biopsicossocial, trabalhando todas as partes possíveis do ser humano. Podemos dizer que parentalidade é sobre não esquecer o adulto independente e social que somos, não perder o casal dentro dos papéis de pais e passar a conhecer e reconhecer o filho que geraram, suas manias, medos, e linguagens não verbais.

Pode parecer algo simples e natural de se dizer, mas ouvir que a maternidade e paternidade não é 100% alegrias, alivia muitos pais angustiados de pensarem estar cometendo os piores erros da sua vida e se sentindo culpados e exaustos, entendam, ninguém acorda de bom humor às 3 horas da manhã para trocar uma fralda, mas podemos ensinar e acolher esses pais e mães nessa construção de ser. Se o humor se perdeu às 3 horas da manhã pode ser recuperado às 20 horas da noite em um sorriso, entendimento ou vínculo no brincar, no sono ou no amamentar.

Ser pais pode ser visto na divisão de tarefas feitas por ambos ou na solidão que sentem quando o foco é somente os filhos, pode ser na desconstrução dessa ideia e na revolução de lembrar os amigos que eles existem além dos papéis de pais. Não são somente lutas, mas imaginar que existem somente dias plenos de glória seria ilusão e irresponsabilidade, então, como eu passo a me chamar de pai e mãe no final? Bem, a resposta para isso seria: no tempo em que você busca construir esse papel.

Pode ser difícil de acreditar, pode ir contra tudo o que as propagandas de televisão e revistas te disseram, mas a parentalidade não é fácil, não é instintiva e não é mágica. Você irá ter momentos de falha e de sucesso, não é uma receita de bolo, simplesmente podemos nos preparar para esse momento da melhor forma, com profissionais qualificados e rede de apoio que nos sustenta nos momentos difíceis. E assim seremos bons pais e mães, admitindo que entrou nessa nova fase da vida parental para aprender junto com o filho.

Afinal, apesar de ter treinado a infância toda com seus pais, o diploma de parentalidade saiu junto com o do seu filho no nascimento, isso quer dizer que ambos estão aprendendo ao mesmo tempo e que nenhuma experiência, apesar da prática, vai ser igual, podemos simplesmente buscar aprender a enxergar a beleza do comum e diário.

Neste trabalho parental muito cobrado e visto como ingrato, podemos ganhar bases e nos transformar nessas mesmas bases para acolher os que ainda estão por vir.

Referência bibliográfica

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ZANELLO, Valeska. Saúde mental, gênero e dispositivos: cultura e processo de subjetivação. 1. ed. Curitiba: Appris, 2018. 301 p. ISBN 978-85-473-1028-8.

BOSCHI, Mariana; MAGALHÃES, Marina (coord.). ENTRE NÓS: desafios da parentalidade na primeria infância. [S. l.]: Conquista, 2020. 252 p. ISBN 978-65-86243-03-1.

CARDOSO, Rebeca; SANCHES, Mário; SILVA, Daiane. Introdução à Parentalidade: uma reflexão no contexto da bioética. Curitiba – Brasil: CRV, 2019. 82 p. v. 9. ISBN 978-444-2844-3.

ZORNIG, Silvia Maria Abu-Jamra. Tornar-se pai, tornar-se mãe: o processo de construção da parentalidade. Tempo psicanal.,  Rio de Janeiro ,  v. 42, n. 2, p. 453-470, jun.  2010 .   Disponível em <http://pepsic.bvsalud.org/scielo.php?script=sci_arttext&pid=S0101-48382010000200010&lng=pt&nrm=iso

Dálete Moreira Clara de Souza
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