Mulher, violência e pandemia: entre o silêncio e a revelação

Mulher, violência e pandemia: entre o silêncio e a revelação

A violência dirigida às mulheres

A violência dirigida às mulheres é uma violência interpessoal e intersubjetiva, caracterizando-se por completa objetalização da vítima, restringindo-lhe e negando-lhe direitos humanos fundamentais como a vida, a liberdade e a segurança.

Este é um problema que atinge todas as classes sociais com altas taxas de ocorrência. Segundo Stockl et al. (2013), ao longo da vida, a cada três mulheres, uma vivenciou violência física e/ou sexual perpetrada por parceiro íntimo

A definição do que seja uma prática violenta passa sempre por uma negociação entre a cultura, a ciência e os movimentos sociais (Shraiber et al., 2005). Dados do Center for Global Development (2020) apontam para um aumento na ocorrência da violência doméstica e interfamiliar desde o surgimento da Covid 19 e os protocolos de distanciamento social. 

Os danos ocasionados pela violência doméstica

A partir de 1996 a OMS reconhece a violência como um problema de saúde pública, dando destaque à importância do reconhecimento precoce do problema e do atendimento eficaz para a prevenção de dificuldades na vida adulta (CARVALHO,  2002).

Além de ser reconhecido como um problema de Saúde Pública, é também uma grave violação aos direitos humanos. 

A mulher quando vive situações de violência, seja ela física, sexual e/ou psicológica culmina necessitado do suporte da saúde e de outros setores. Assim, as sequelas se apresentam de toda ordem. 

No Brasil, a luta do movimento de mulheres e de alguns segmentos da sociedade civil, resultaram na implementação de importantes marcos políticos de proteção a mulheres em situação de violência tais como: a Secretaria de Políticas para as Mulheres (SPM); a  Lei de Notificação Compulsória, no caso de violência contra mulheres, crianças, adolescentes e pessoas idosas atendidos em serviços de saúde públicos ou privados, a Lei Maria da Penha, entre outros (BRASIL,2010). 

Entende-se que a violência doméstica pode produzir danos físicos e psicológicos à vítima e às crianças presentes no ambiente familiar. Dentro deste contexto, ela — a violência — é sempre uma tática utilizada para obter poder e controle sobre o outro, que é muitas vezes acobertada pelo silêncio e pela omissão. Os casos de violência doméstica pertencem à esfera do privado¹, mas acabam se revestindo da característica de sigilo.

O silêncio, anterior à revelação, denota medo. Por outro lado, o silêncio posterior à revelação em muitas situações vem precedido por sentimento de culpa (CARVALHO, 2002).  

Nesse sentido, a intervenção envolve também lidar com os serviços das redes de proteção e cuidado. Destacamos aqui os serviços das redes intrasetoriais no âmbito do SUS, das redes intersetoriais como o SUAS, a educação, a segurança pública, o judiciário e o terceiro setor. 

O que dizem os dados?

De acordo com a ONU Mulheres (07/04/2020): “Mesmo antes da existência da COVID-19, a violência doméstica já era uma das maiores violações dos direitos humanos. Nos 12 meses anteriores, 243 milhões de mulheres e meninas (de 15 a 49 anos) em todo o mundo foram submetidas à violência sexual ou física por um parceiro íntimo”. Ver matéria aqui.  

Dados do Center for Global Development (2020) apontam para um aumento na ocorrência da violência doméstica e interfamiliar desde o surgimento da COVID-19 e os protocolos de distanciamento social. Tendo em vista a continuidade da pandemia Covid-19, esses números crescem provocando sequelas de toda ordem. 

No Brasil, de acordo com Flávia Nascimento, coordenadora dos Direitos da Mulher da Defensoria Pública do Rio de Janeiro, tivemos aumento de 50% de denúncias de casos de violência doméstica no Estado do Rio de Janeiro durante o período de confinamento imposto pela epidemia da COVID-19. Ao mesmo tempo que ocorreu o aumento exponencial de casos, tem-se também a redução do acesso aos serviços de apoio a estas mulheres nos setores da assistência social (SUAS), saúde (SUS), segurança pública e justiça.

As portas de entrada são a saúde e a segurança, e durante a pandemia esses serviços ficaram reduzidos porque há também o medo de contágio.  

Como a mulher pode buscar ajuda?

No dia 03/08/2020 o então Governador do Rio de Janeiro, sancionou a Lei de nº 8967.  Nesta Lei, o artigo primeiro diz: “Ficam os condomínios edifícios, residenciais, comerciais, conjuntos habitacionais, mistos, associações residenciais, associações de moradores e outras organizações, através de seus representantes legais, obrigados a afixarem cartazes com informações sobre os serviços de atendimento às mulheres em situação de violência que estão em funcionamento durante o período de isolamento social gerado pela pandemia – COVID 19” (Lei foi publicada no DOE – RJ  em 04 ago 2020).

Podendo gerar multa a quem descumprir essa determinação. De acordo com este decreto: 

Nós estamos em quarentena, os serviços de atendimento às mulheres NÃO! Ouviu ou sofreu uma violência? Ligue 180 (24 horas)”. 

A violência está ocorrendo agora? Ligue 190. 

Este movimento de buscar ajuda pode implicar num momento de rompimento de um quadro de silenciamento, paralisação ou até mesmo momento de crise. Frente a esta situação é de suma importância que as mulheres saibam que podem ser acolhidas por profissionais que compõem a rede de proteção e cuidado, profissionais que pensam sob a ótica da singularidade de cada sujeito e, deste modo, estão despidos de preceitos morais ou até mesmo por inquietações de caráter pessoal.

É através desta ajuda que a mulher poderá obter proteção, recuperação psicológica e em alguns casos física para ela e seus familiares envolvidos. 

Ressaltamos aqui a importância da escuta psicanalítica em direção a um trabalho psicossocial que possa acompanhar as intensas e dolorosas situações das mulheres em situação de violência doméstica, de forma a integrá-las em uma nova imagem de si mesmas.

Esta escuta e acolhimento serão dirigidos não somente às mulheres, mas também aos seus familiares. Nossa proposta é proporcionar às mulheres que sejam escutadas como sujeitos, e assim fazer novos investimentos na construção de relações afetivas mais saudáveis.

Conte comigo!!!

____________________________

  1. Aqui o uso do termo “privado” está associado a relações interpessoais, particulares, com graus de intimidade.

 

Lusanir de Sousa Carvalho

Sou graduada em Psicologia (CRP. 05/12551). Tenho Mestrado em Psicologia Social  (UFRJ) e Doutorado em Saúde Pública (ENSP/FIOCRUZ) na área de concentração  Violência e Saúde (CLAVES). Minha abordagem é em Psicanálise – Participante de  Formações Clínicas do Campo Lacaniano (FCCL/RJ). Também atuo como Professora,  Pesquisadora e Supervisora de estágio no Curso de Psicologia da Universidade Veiga de  Almeida (UVA/RJ). Sou Psicóloga aposentada da Secretaria de Saúde de Nova Iguaçu  (SEMUS/RJ), onde atuei durante anos em Hospital Geral e no Centro de Atendimento  Psicossocial III (CAPS III). Lattes: http://lattes.cnpq.br/1719649094428581 

Contato: lusanir-carvalho@uol.com.br

Referências: 

  1. CARVALHO, L.S. (2012). A violência sexual na adolescência: significados e  articulações. Tese de Doutorado, Escola Nacional de Saúde Pública Sergio Arouca,  Fiocruz, Rio de Janeiro, RJ.
  2. STÖCKL, H.; DEVRIES, K.; ROTSTEIN, A. et. al. The global prevalence of intimate  partner homicide: a systematic review. The Lancet Global Health, Vol 382 September  7, 2013.
  3. SCHRAIBER, L. (et al.). Violência dói e não é direito: a violência contra a mulher, a  saúde e os direitos humanos. São Paulo: Editora UNESP, 2005.
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