Um olhar para a morte ao pensar o luto
Ao referir o luto, primeiramente observa a morte como parte de um processo natural. Para muitos é um tabu, pois, através da morte, pode-se perder alguém especial ou ente querido. Passar por esse momento torna-se assustador, pelo fato de ter que se separar do objeto de amor. Neste caso, é a dor maior que o ser humano tem de encarar, com certa dificuldade para aceitação.
Embora a morte seja um fato procedente do ciclo vital, e também o fim da existência humana, além da única certeza absoluta da vida, ela traz ao homem ocidental contemporâneo bastante angústia e medo. Ela é causa de mal-estar ao indivíduo desde seu fenômeno e de tempos passados; ainda que não seja fortuita a mobilização de recursos simbólicos, como os rituais e celebrações religiosas, para apaziguar a angústia que surge.
Diante do acontecimento da morte, o trabalho de luto consiste em o indivíduo suportar a perda. Por ser um trabalho, exige tempo, é preciso que a pessoa se permita sofrer ao vivenciar este evento desagradável. Para alguns casos, o lidar com a perda pode se tornar um trabalho de luto complicado.
Definição de luto
O luto é considerado a reação da perda de um ente querido, ou qualquer abstração que ocupou este lugar, até mesmo o ideal de alguém ou algo específico. Levando em conta uma perda de ideal, do emprego (de uma posição), de uma relação, a perda de uma pessoa ou de um objeto. Nesse sentido, o luto significa não só a perda de um ente querido, como também a perda de animal de estimação, término de namoro, separação matrimonial, mudança de cidade ou casa, entre outras situações, das quais acontece a perda de um objeto onde havia um investimento libidinal.
Apesar de no luto o indivíduo mostrar graves afastamentos de atitude normal para com a vida, não é visto como uma patologia, sem ter necessidade de submeter a pessoa a um tratamento médico. Sendo assim, o luto revela um estado psíquico decorrente da perda de alguém muito querido, que pode provocar dor e angústia, num quadro geral de reação depressiva, de forma que para superar tal condição é necessário passar pelo “trabalho de luto”.
No luto profundo existem particularidades possíveis, tais como:
- A reação de alguém que se ama,
- Perda de interesse pelo mundo externo,
- Perda da capacidade de adotar outro objeto de amor e
- Abandono de atividades que não estejam de certa forma vinculada a pensamentos sobre esse alguém.
Caracterizada também como uma disposição que designa dor, como algo doloroso. Já o luto normal, de acordo com Freud, sujeita à perda de objeto. Durante o tempo em que permanece absorve todas as energias do ego. Por esse motivo, entende-se que o luto pressiona o ego a desistir do objeto e o incentiva continuar a viver.
As Fases do Luto com reações físicas e emocionais no trabalho de luto
As pessoas são lançadas ao labirinto do luto, nele possui fases compostas por manifestação de sintomas, referindo-se a tristeza à primeira coisa que se pensa como sintoma. É importante frisar que no meio social é sim o sinal mais evidente, porém o luto não é feito somente de tristeza que pode oscilar e variar de grau, são inclusos:
- Falta de energia,
- Falta de disposição,
- Retraimento dos investimentos psíquicos (a pessoa no momento do luto se retrai muito, apresenta pouca energia e sem disposição para realizar investimentos psíquicos).
Junto disso, há também uma sensação de vulnerabilidade e desamparo.
O encontro de tudo isso, pode trazer certa impossibilidade de investimentos “de relações futuras”, de forma que a pessoa não tem condições para mais investimentos, e acha que está sem saída (portas fechadas). Surge ainda, a falta de apetite, não só da alimentação, mas da própria vida. Nesse sentido, a falta de despertar ou de levar a vida adiante. A pessoa fica sem graça, sem brilho, sem atração, ou seja, a pessoa demonstra não ter “gosto” pra nada, como um crepúsculo de cor cinza; num ato de agitação e excitação psíquica. Ainda em meio ao processo de luto, tem a euforia.
Freud questiona que todo processo de luto revela uma ambivalência do sujeito pelo objeto de amor perdido. Contudo, o enlutado, expressa com suas lembranças o grande amor e ódio pela pessoa perdida. Diante desse movimento de amor e ódio, que o sujeito fará o trabalho de luto. “A perda do objeto de amor é uma ocasião privilegiada para fazer valer a ambivalência das relações de amor.” (QUINET, 1999, p. 138)
Diferença entre luto e melancolia
Para Freud, no texto “Luto e melancolia”, na melancolia o objeto perdido fica introjetado e retido no ego do sujeito. Já no luto, ocorre o oposto, é preciso um tempo para elaborar a perda do ente querido, por haver uma introjeção sem maiores conflitos, de modo que a pessoa enlutada consegue desligar normalmente dele.
Nessa circunstância, a libido investida no objeto perdido, necessita se desligar das lembranças, fantasias, e esperanças que envolviam toda ligação. Logo após, num prazo não muito extenso, o ego do sujeito volta a ser livre para retomar à vida normal.
Para discernir a melancolia do luto, existem traços mentais característicos dela, sendo eles:
- Um desânimo intensamente penoso, pois a mesma apresenta a renúncia pelo mundo externo,
- A perda da capacidade de amar,
- Inibição por atividades,
- Sentimentos de baixa autoestima com predominância de autorrecriminação e auto envelhecimento, numa atitude de punição.
Constata-se que essas características também poderão ser encontradas no luto, porém apenas uma se destaca como indiferente. A perturbação de autoestima acompanhada pelas autorrecriminações e autopunições considera-se como presente na melancolia e ausente no luto.
O lugar que o luto e a melancolia ocupam
No luto existe um objeto que foi perdido (a perda é real). Já na melancolia o objeto não é identificado pelo melancólico, porque após uma perda o melancólico não sabe muito bem o que perdeu, sente que está diante da perda de si mesmo; e este, por não renunciar o amor pelo objeto, volta-se para si no propósito de se vingar do objeto. Isso indica que ele autotortura, autorrecrimina, autoacusa e autodeprecia, retornando ao próprio “Eu” como forma de autopunição. Onde o sujeito trata o “Eu” como objeto, e o ego se identifica com o objeto através da introjeção.
Dessa forma, no luto e melancolia, ambos demonstram características parecidas, porém no quadro específico são completamente diferentes em relação ao valor atribuído ao “Eu”, pois a melancolia se trata de uma psicose. O que acontece ainda de diferente: na melancolia o próprio “eu” se torna vazio porque há um empobrecimento do ego, e prevalece uma diminuição da autoestima para o melancólico; já no luto, é o mundo que se torna vazio.
Em virtude disso, observa-se que no luto é necessário passar pela inibição, pela perda de interesse, para o ego ser retido, e em seguida acontecer o trabalho de luto, este na neurose. Na melancolia, a perda é desconhecida, e resultante de um trabalho interno. Enquanto no trabalho de luto o sujeito luta para desinvestir o objeto perdido (o sujeito retira o investimento libidinal do objeto perdido) e reinveste em outro objeto, onde edifica outro Ideal do eu e até um objeto de amor; na melancolia há um sobre investimento deste, do qual o melancólico não consegue investir em outro objeto.
A construção deste artigo foi numa linguagem psicanalítica, no intuito de ajudar as pessoas que enfrentam e não sabem o que significa o luto, pois a sociedade e as condições externas não permitem olhar para esse sofrimento da forma como deveria ser, por ter certos tipos de julgamentos e tabus a respeito. Por isso é essencial ter um entendimento sobre, e vivenciá-lo de um modo normal, já que o luto é um processo natural da vida, isto é, o luto faz parte da vida.
O mais interessante é poder informar que o luto pode ser confundido com tristeza e choro, e até mesmo com a melancolia. Como foi citado anteriormente, no próprio artigo existe essa diferenciação, pois o luto é uma coisa, e a melancolia de trata de outra coisa. Espero que tenha ficado bem claro, ao detalhar no texto tais significações. É pertinente compreender que luto não é só perdas, morte, ele é muito além disso, pois é também qualquer tipo de mudança, e ainda adaptação.
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Referências
- FREUD, S. Luto e Melancolia. Escritos sobre a psicologia do inconsciente. Rio de Janeiro: Imago, 2004. v. 2, p. 99-116. (Trabalho original publicado em 1915).
- QUINET, A. Extravios do desejo: depressão e melancolia. In: QUINET, A. A clínica do sujeito na depressão. Rio de Janeiro: Marca d’ água, 1999. cap. 3, p. 123-152.
- SIMÕES, A. O que é o luto? Disponível em: youtube.com/watch?v=Zm60RtC8U_8. 2016. Acesso em: 15 out. 2020.
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