Os perigos do mito da mulher-maravilha

Os perigos do mito da mulher-maravilha

No mês em que é comemorado o Dia Internacional da Mulher (dia 8 de março) não podemos deixar de falar da sobrecarga emocional sofrida pelos múltiplos papéis que precisam ser equilibrados diariamente. As exigências são recebidas em formato de elogio: “Elas são guerreiras”, quando na verdade escondem a expectativa da capacidade extra-humana de dar conta de tudo, com perfeição e tranquilidade. Essa exigência faz com que muitas se sintam mal por não atingirem o esperado. 

Como é humanamente impossível sair dessa situação sem sequelas, elas buscam tratamentos para o estresse causado pela exigência dos bons resultados. Sofrem de dores físicas e emocionais, prejudicando seus relacionamentos e vida social. 

Convido vocês a refletirem comigo quais são os principais papéis que precisam desempenhar com excelência e quais podem ser as consequências de achar isso uma vantagem.

Família

Ser mãe é um papel bastante desafiador, pois preenche 24 horas do dia. As expectativas que as mães sofrem são de ordem divina: cuidar, amar, educar com plenitude e energia.

Existe ainda um mito de que nascem maternas, logo, não há escolha, todas devem passar por essa fase e por “instinto” saberem como agir em todas as situações. As que não podem ou não desejam ter filhos são criticadas e mal vistas. É verdade que cada vez mais recebem ajuda para cuidar da casa, mas segundo o IBGE, em 2016 as mulheres destinavam 18,1 horas semanais para cuidados e afazeres de casa, enquanto os homens destinavam 10,4 horas. Limpar, organizar, providenciar consertos, cozinhar e fazer as compras… mais energia e tempo.

Trabalho

Ainda em fase de busca pela igualdade de salários e oportunidades, para chegar a determinados cargos ou áreas é preciso fazer tanto quanto possa. Mais energia e tempo para os estudos são gastos. No ambiente profissional, necessitam de esforço extra para obterem confiança e respeito dos colegas de trabalho, clientes e funcionários.

Algumas relatam medo de sair para a licença maternidade e perder seus cargos. Não menos importante são os casos de assédio moral e físico ou piadas constantes sobre a associação do humor com o ciclo menstrual.

O ideal ilusório é ser mãe, profissional, parceira e cuidadora do lar de excelência! Afinal de contas, o esperado é que exista capacidade de lidar com múltiplas tarefas e que deem conta. E não chegamos ao fato de que tudo ser feito ao mesmo tempo em que precisa atender aos padrões comportamentais e de beleza ditados pelo momento. Precisam estar bonitas, com aparência cuidada, maquiadas e no peso ideal. 

E muitas de fato fazem tudo isso: trabalham, cuidam dos filhos e do lar, possuem relacionamentos amorosos e vão à academia. Estão sempre em movimento, produzindo, lutando pelo seu espaço e valor. São vistas como grandes heroínas dando conta de tudo tão perfeitamente que muitos desacreditam. 

Mas o que há por trás dessa mulher-maravilha? 

O que pode acontecer com esse ícone do século XXI, super valorizada por fazer exatamente aquilo que a faz adoecer?

Aspectos físicos

Pacientes se queixam com frequência dos efeitos do estresse. As mulheres que executam a dupla jornada (trabalho-família) trazem como fadiga a principal queixa. Com frequência, veem-se esgotadas, sem ânimo para atividades de lazer ou para os relacionamentos amorosos.

As que já possuíam doenças como gastrite, ciclo menstrual irregular, alergias e queda de cabelo têm um incômodo a mais iniciando tratamento medicamentoso. Outra reclamação comum é a insônia que surge com a dificuldade em controlar os pensamentos acelerados propositalmente (mas não consciente) durante o dia, no intuito de lembrarem o que for necessário.

Aspectos psicossociais

A dificuldade em dar conta dos afazeres diários cria dúvidas sobre a própria capacidade de ser boa no que faz. A autoexigência aumenta e leva à exaustão emocional: esquecem compromissos, confundem os dias da semana, interrompem tratamentos médicos e acordam cansadas após horas de sono.

A autoestima fica baixa, não se sentem vistas e sim feias e desinteressantes. No meio da rotina fica difícil incluir exercícios físicos ou de meditação, aumentando o nível do estresse, ocasionando crises ansiosas. Se afastam dos amigos e da família, ficam irritadiças e sozinhas. 

Em resumo, são excessivamente exigidas para que todos os seus papéis sejam devidamente executados. São valorizadas as que conseguem, mesmo que a um custo muito alto, fazer tudo sem pedir auxílio a ninguém. Esta sim é vista como uma mulher-maravilha. 

Nessa vida não há tempo para mais nada, a não ser o que deve ser feito. Listas e mais listas de tarefas que são eliminadas e substituídas por outras. E quando as coisas não saem como previsto (um filho na diretoria da escola, uma chamada de atenção do chefe ou uma discussão com a amiga), sentem-se erroneamente culpadas. Incompreendidas pela sobrecarga da dupla jornada, estão sozinhas.

E quando os filhos crescem, quando se divorciam, quando percebem que fizeram uma escolha errada na profissão, sentem-se completamente perdidas. 

Como mudar a história?

Vejamos agora, formas práticas para enfrentar as consequências da dupla-jornada:

  • Atividades físicas e de lazer são importantíssimas: alteram o foco atencional e ajudam a diminuir tensões. Liberam substâncias químicas que geram sensação de bem-estar, importantes no combate à depressão e outros transtornos de humor. Escolha a que mais gosta!
  • As metas devem ser executáveis e de curto prazo. Conseguir atingir uma meta também gera prazer a aumenta a confiança. Pelo contrário, as de longo prazo ou de difíceis execução fazem a pessoa desacreditar em si mesma.
  • É preciso aprender quais são os limites do corpo e da mente. Através de exercícios de atenção plena, relaxamento e meditação pode entender como o corpo funciona e respeitar seus sinais de desconforto. Quando eles aparecerem, é hora de fazer uma pausa!
  • A organização também é essencial. Rotina é sinônimo de segurança e facilita lidar com o excesso de atividades. Agendas, aplicativos de notas, lembretes no celular são super válidos!
  • Os dias não devem ser preenchidos com compromissos e afazeres. Espaços vazios na agenda são essenciais para o descanso, surgimento de reflexões e para enfim, aproveitar as coisas boas da vida!
  • Questione-se se está feliz com a vida que tem. Quando não estiver, procure entender quais aspectos estão desconfortáveis e o que precisa ser mudado. A psicoterapia também é um processo de autoconhecimento e não deve ser procurada somente em caso de sofrimento mental. Pode ser usada na prevenção de problemas, um momento destinado somente para você!

 

Referência bibliográfica

  1. https://ibge.gov.br/
  2. https://www.who.int/eportuguese/publications/Mulheres_Saude.pdf
  3. R, Adaneys Álvarez; GOMEZ B, Ingrid Carolina. Conflicto trabajo-familia, en mujeres profesionales que trabajan en la modalidad de empleo. Pensam. psicol.,  Cali ,  v. 9, n. 16, p. 89-106,  June  2011 .   Available from <http://www.scielo.org.co/scielo.php?script=sci_arttext&pid=S1657-89612011000100007&lng=en&nrm=iso>. access on  24  Feb.  2021.
  4. AMAZONAS, Maria Cristina Lopes de Almeida; VIEIRA, Luciana Leila Fontes; PINTO, Virgínia Cavalcanti. Modos de subjetivação femininos, família e trabalho. Psicol. cienc. prof.,  Brasília ,  v. 31, n. 2, p. 314-327,    2011 .   Available from <http://www.scielo.br/scielo.php?script=sci_arttext&pid=S1414-98932011000200009&lng=en&nrm=iso>. access on  24  Feb.  2021.  https://doi.org/10.1590/S1414-98932011000200009.
Natalia Caroline Varga
Últimos posts por Natalia Caroline Varga (exibir todos)
Deixe seu comentário aqui
Assine nossa newsletter

Outros posts que você também pode gostar

Assine nossa newsletter

Fique por dentro dos melhores conteúdos sobre bem-estar, saúde e qualidade de vida

Saúde mental, bem-estar e inovação que seu colaborador precisa

Através do nosso programa de saúde mental, as empresas reduzem perdas com afastamento do trabalho por demandas emocionais.