A importância da representatividade negra na sessão de terapia

A importância da representatividade negra na sessão de terapia

A importância da representatividade negra na sessão de terapia

Começando com o racismo estrutural

Antes de entender os principais motivos que falam sobre a importância de haver representatividade étnica na clínica psicológica, acredito que seja vital compreender do que se trata o racismo estrutural e como ele funciona.

Então, vamos lá!

O racismo estrutural se trata de um conjunto de práticas institucionais, históricas e culturais existentes na sociedade que privilegiam um grupo étnico em detrimento dos demais, de forma que os que não se beneficiam sejam continuamente prejudicados dentro de uma estrutura que promove a segregação e a desigualdade social. 

Vamos a um exercício prático

Quando você se depara com uma foto de uma festa de formatura de graduação em medicina, quantas pessoas negras você consegue encontrar entre os formandos?

Quando você pensa em uma favela e/ou em comunidades que não tem acesso à moradia, saúde e educação dignas, qual é a etnia/raça que lhe vem à mente?

Quando você imagina um padrão estético a ser seguido, como é a pessoa que lhe vem como modelo?

A porcentagem menor de pessoas negras no ensino superior, a dificuldade de acesso a serviços básicos e a visão padronizada de beleza eurocêntrica (pensamento que leva em consideração somente a vivência e características do ocidente europeu como correto ou bom) são algumas consequências do racismo estrutural.

Vale dizer que é um das formas de racismo que acontece de forma mais subliminar e que mais afeta a forma como pessoas negras se enxergam e são vistas pela sociedade, pois está naturalizada nos costumes e no imaginário popular. 

O indivíduo racista 

O comportamento individualizado, onde alguém se dirige a outra pessoa de forma agressiva e excludente baseado em preconceitos e estereótipos raciais é o chamado racismo individual. Esse comportamento discriminatório pode ser reconhecido na inferiorização do cabelo crespo, em expressões idiomáticas como “cabelo ruim”, “não sou tuas negas” ou “serviço de preto”, e aparece também na hipersexualização do corpo negro, mas também pode acontecer de maneira velada, sem ofensas diretas.

Um caso público é o da jornalista Maju Coutinho que teve maior visibilidade e gerou maior comoção devido ao lugar social de destaque que ela ocupa e é um exemplo de como o racismo individual acontece no cotidiano.

A subjetividade é uma caixa preta 

Todos os indivíduos são passíveis de se sentirem angustiados, cansados, deslocados, confusos e entristecidos ao longo da vida. Afinal, esta é a inevitabilidade da condição humana, não é mesmo? Em todas as faixas etárias, gêneros, orientações sexuais e classes sociais há condições específicas que podem ser geradoras de conflitos ou satisfação pessoal.

E falando sobre a população negra, há um atravessamento histórico, político e social inevitável relacionado à segregação e à violência vivida por anos a fio. 

O desenvolvimento de uma autoestima saudável depende de fatores variados como apoio familiar, criação de vínculos interpessoais de qualidade, construção e manutenção de uma estrutura psíquica sólida, mas também de representação social. 

As experiências discriminatórias que, possivelmente, serão vivenciadas por crianças e adolescentes em fase de construção e consolidação identitária têm um efeito direto sobre a percepção positiva ou negativa que terá acerca de si.

À medida que o individuo vai se tornando consciente sobre fazer parte de uma estrutura que a inferioriza e deslegitima, é possível que se desencadeiem emoções conflitantes sobre seu lugar no mundo e quadros de estresse, ansiedade, depressão e, fatalmente, levar ao auto-extermínio. 

Afinal, qual é o lugar da representatividade na clínica?

Uma das situações que mais vivencio na clínica quando sou contactada por pessoas negras é a seguinte:

“Nossa! Que bom que te encontrei! Estava procurando uma profissional que também fosse negra porque me sinto mais à vontade para falar sobre o que sinto”.

Essa sensação de acolhimento pode ser explicada se refletirmos sobre as vivências que as diversas formas de racismo acarretam. Por se sentir à margem da sociedade e invisibilizado em suas questões psíquicas, é compreensível que o indivíduo queira se sentir acolhido no setting terapêutico, especialmente quando o sofrimento psíquico e/ou adoecimento mental estão diretamente ligadas às questões raciais. 

E expor suas dores a alguém que gere identificação à primeira vista, pode ser reconfortante à medida que há o pressuposto de que as duas pessoas envolvidas no processo psicoterapêutico têm uma vivência similar e que a(o) psicoterapeuta tenha uma conexão com a questão a ser abordada.

No caso das mulheres negras em particular, a busca por identificação e representatividade também pode significar um espaço de empoderamento e representação, pois ainda não é sempre que pode se ver representada em um lugar de poder e saber. 

A mulher negra (ainda) tem possibilidades restritas de exercer a expressão de suas ideias e emoções. Sendo assim, ser acompanhada por uma psicóloga negra é uma forma de se ver em perspectiva e adquirir modelos positivos de desenvolvimento pessoal, autoestima e apropriação do seu lugar de fala.

Isso não quer dizer que somente psicólogas(os) negras(os) estão aptas(os) para abordar a temática racial. De jeito algum.

É inquestionável que a maior parte das ciências acadêmicas foi pautada em uma ótica branca/européia (inclusive a Psicologia), porém o fundamental é que as(os) profissionais de psicologia compreendam a especificidade da experiência de discriminação racial e estejam abertas(os) para discutir e se aprofundar sobre os desdobramentos das micro e macro agressões na saúde mental da população negra. 

Por fim… 

Entender o valor da representatividade na clínica de Psicologia é criar espaço para que o indivíduo se desenvolva e explore suas potencialidades à sua maneira. É compreender a necessidade de construir uma psicologia diversa e acessível. É proporcionar à pessoa negra a possibilidade de se sentir acolhida e potente no campo psíquico. É respeitar a escolha baseada em identificação racial com a(o) psicoterapeuta para que cada vez mais a diversidade e o desenvolvimento saudável de uma pessoa sejam priorizados na promoção da saúde mental. 

“…pensar o racismo como parte da estrutura não retira a responsabilidade individual sobre a prática de condutas racistas e não é um álibi para racistas. Pelo contrário: entender que o racismo é estrutural, e não um ato isolado de um indivíduo ou de um grupo, nos torna ainda mais responsável pelo combate ao racismo e aos racistas.

— Silvio Luiz de Almeida em O que é racismo estrutural?(2018)

 

Referências bibliográficas:

ALMEIDA, Silvio Luiz de. O que é racismo estrutural? Belo Horizonte: Letramento, 2018.

RIBEIRODjamilaO que é lugar de fala? Belo Horizonte: Letramento: Justificando, 2017.

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