O Carnaval, o desejo, a folia e a psicologia

carnaval e psicologia
O Carnaval, o desejo, a folia e a psicologia

O Carnaval é uma das datas comemorativas mais importantes no calendário do brasileiro, e também uma das mais antigas. É uma festa para extravasar, se jogar e curtir tudo que ela tem para oferecer: comidas, bebidas, pessoas, fantasias, brincadeiras e o que mais vier pela frente.

Tantas possibilidades podem ser tentadoras, mas também levantam questões importantes, como: o que meu comportamento diante dessa festa diz sobre mim? Como curtir o carnaval com liberdade, mas também sem abrir mão do controle e da responsabilidade? O que a psicologia tem a dizer sobre uma festa com tantos excessos?

Ao longo deste conteúdo, vamos nos aprofundar em alguns desses questionamentos em busca de um pouco mais de clareza, autoconhecimento e saúde mental. Segue o bloco!

Como a psicologia enxerga o fenômeno do Carnaval

O Brasil é um país conhecido mundialmente pelo seu povo caloroso, hospitaleiro, festeiro e alegre. Muito disso tem relação com a maior festa do nosso país, o Carnaval. 

Durante 5 dias – no mínimo, pois a festa começa bem antes do feriado, ao longo dos finais de semana anteriores –  a nação interrompe suas atividades cotidianas e se permite vivenciar a experiência carnavalesca de romper com o cotidiano quase que por inteiro: não ter que comparecer ao escritório em plena semana, começar a beber logo cedo, fantasiar-se do que quiser, conhecer pessoas novas, curtir blocos, e desprender-se da sua rotina.

Essa ruptura com a rotina e com o papel que desempenhamos no dia a dia faz parte do conceito de carnaval desde o começo da festa, que começou entre os séculos XVI e XVII, sob o nome de entrudo

Àquela época, a ideia geral do evento era a de “um mundo de cabeça para baixo”, justamente para subverter a ordem das coisas: os escravos inverteram os papéis com os senhores e vice-versa. Todos conseguiam aproveitar a festa com uma sensação de igualdade.

Com o uso das máscaras, era possível desfrutar da totalidade da festa — misturar-se com o povo, apreciar as bebedeiras e os prazeres carnais — preservando o sigilo sobre sua identidade. 

Buscando um maior controle do ímpeto festivo da população, a Igreja Católica, que condenava a comemoração e a considerava pecaminosa, instaurou um período de 40 dias para reflexão, restrições e até jejum: a quaresma. Assim, o carnis levale, ou carne vale, que significa “retirar a carne”, representa um período de libertação e preparação para a quaresma, onde o jejum de carne representa a purificação do corpo dos pecados.

Até os dias de hoje, o uso de fantasias cumpre a função da diversão, claro, mas também a de agir como ponte para que o indivíduo se liberte do seu personagem usual — o papel que desempenha diariamente — e assuma um papel livre de censura. 

Especialistas confirmam a importância desse momento. Freud teorizou que, era nesse momento que o ID, uma das 3 partes que compõem a mente humana, e é responsável pelos ímpetos e desejos, se expressa mais livremente, sem priorizar as consequências das suas ações e culpa, que são gerados pelo SuperEgo.

A abordagem junguiana, por Carl Jung, pontua que somos compostos pela polaridade dos opostos e que um necessita do outro para existir. Amor x ódio, sagrado x profano, e por aí vai. Não há yin sem yang, e o equilíbrio entre os dois pólos, buscando uma integração saudável entre eles, é parte da busca pela totalidade do ser. 

 

O Carnaval pelo mundo: as diferenças culturais e psicológicas

No Brasil, o Carnaval é a principal festa do calendário, e faz parte do DNA do brasileiro. Apesar disso, como já vimos, é uma festa de origem europeia e que é comemorada no mundo todo. 

Cada país tem a sua maneira de celebrar os dias de folia, e muito disso tem a ver com a cultura local. Veja o Mardi Gras, por exemplo. Comemorado inicialmente no estado do Alabama – EUA, a festa agora tem seu endereço fixo em Nova Orleans. 

Os Estados Unidos possuem um conjunto de hábitos e costumes muito diferentes dos nossos, mas o Mardi Gras (que significa em português “Terça-feira gorda” e acontece na terça de carnaval) tem como tradição o desfile temático e de carros alegóricos, algo muito semelhante aos desfiles das escolas de samba que temos no Brasil.

Por outro lado, parte da tradição estadunidense é a de disputar a atenção dos foliões em busca de colares de miçangas, com o objetivo de coletar o máximo possível. E para isso, vale (quase) tudo.

Já no carnaval de Veneza (Itália), a tradição do uso de máscaras persiste e faz parte dos cartões postais da cidade. Enquanto algumas máscaras típicas estão ligadas ao grotesco, com traços exagerados e expressões marcantes, o Carnivale de Venezia segue na contramão: suas máscaras trazem o mínimo de expressividade possível, e cobrem o rosto completamente. 

Em terras brasileiras, o carnaval integrou à sua festa uma mistura das culturas africanas, indígenas e europeias. Cada região assume características próprias, refletidas por aspectos como colonização, ritmos, etc. 

No Rio de Janeiro e São Paulo, foliões desfilam fantasias sumárias em carros alegóricos; enquanto na Bahia, o costume é seguir os trios elétricos. No Recife, o ritmo principal é o frevo. 

Ali por perto, em Olinda, a comemoração traz os icônicos bonecos gigantes, frutos das procissões religiosas do século XVIII. Mais distante, no Amazonas, a tradição indígena predomina nas fantasias, nos adereços e nos temas de exaltação à natureza.

Como a psicanálise interpreta o Carnaval?

Como falamos ao longo do texto, o carnaval representa para muitas pessoas a oportunidade de se despir das inibições, cobranças, pressões e convenções cotidianas, assumindo uma personalidade diferente, mais liberta, entregue ao momento e sem muita preocupação com culpa ou fatores morais.

Freud traz os conceitos de ID, Ego e Superego, onde o primeiro representa os impulsos e desejos; o segundo representa a racionalidade e o terceiro a moralidade, ética e convenções sociais. 

Despir-se de inibições e pressões representa o momento onde o ID sobressai os demais e assume o controle da personalidade do indivíduo. O Carnaval é o momento onde os foliões cedem aos seus impulsos e, em alguns casos, literalmente, mascaram suas identidades cotidianas em busca do êxtase e da experiência catártica de viver um mundo sem amarras sociais.

Entretanto, já dizia o verso da melodia: “todo carnaval tem seu fim”, da banda Los Hermanos. Na quarta-feira de cinzas, o superego reassume o controle, as máscaras voltam para o fundo do armário e a vida volta ao normal, junto com as consequências que, na melhor das hipóteses, não passarão de uma dorzinha de cabeça de ressaca. 

O comportamento humano nos dias de folia

A grande questão sobre o carnaval é: por que vivemos uma realidade tão diferente da nossa? Por que existe a necessidade de um feriado que nos permita viver o que a vida cotidiana não permite? Como desfrutar de uma realidade que acomode nosso ID, ego e superego?

Para responder (superficialmente, claro) a essas perguntas, vamos utilizar por base alguns preceitos da Terapia Cognitivo Comportamental.

TCC é um método terapêutico e pode ser considerado um padrão no tratamento de saúde mental. A grosso modo, a abordagem busca reconfigurar a ligação entre o pensamento e comportamento, de modo a transformar reações automáticas em decisões conscientes.

Com o tempo, vivências, experiências e traumas se sedimentam no subconsciente, criando regras, crenças e padrões de comportamento que podem agir negativamente em sua vida. O trabalho do psicoterapeuta nesses casos é identificar esses padrões, desmistificá-los e encontrar novas possibilidades para abordar situações. 

A terapia cognitiva comportamental pode ser útil quando, em contato com o universo de possibilidades que o carnaval oferece, nossa primeira reação envolve a escolha de viver uma realidade diferente da nossa.

Abordando de forma racional, é interessante que durante o acompanhamento terapêutico, entendamos como podemos aproximar nosso ID do superego, ou seja, como trazer os nossos desejos para que eles passem a caber dentro da nossa régua moral.

 

A existência para além da rotina: a necessidade de um escape

Afinal, porque precisamos de um feriado que nos permita extravasar? Como tornar nossas rotinas um hábito saudável, que não nos faça sentir sufocados?

Por vezes, situações estressantes se tornam frequentes, e a busca por escapes emocionais se torna um hábito. 

Assim como a necessidade constante por válvulas de escape representa que há algo errado, é importante avaliar também o teor das atividades que nos proporcionam a sensação de fuga, pois nem todas trazem benefícios. 

É preciso ponderar que todo excesso é ruim para nossa saúde e, por isso, precisamos aprender a balancear o bom e o ruim, cultivando hábitos que realmente tragam benefícios para todos os aspectos de nossas vidas. 

Aquela cervejinha no final do expediente em excesso, pode se tornar um vício. Aquele chocolate inocente pode evoluir para uma compulsão alimentar, e por aí vai.

A chave para o equilíbrio dessa equação pode estar na abordagem humanista e existencialista, que propõe o confronto e o questionamento do seu “eu ideal” versus o “eu atual”, buscando a congruência dos dois. 

Nesse contexto, como o seu “eu de carnaval” pode se aproximar do seu “eu diário”, eliminando assim a disparidade entre os dois, pelo menos em parte. 


O ano só começa depois do Carnaval? E a terapia, já está em dia?

O ser humano de forma geral espera a passagem de ciclos para realizar mudanças significativas. Quem nunca ouviu ou disse a frase “segunda-feira eu começo a dieta”, “ano novo, vida nova”, “ano que vem eu vou fazer tudo diferente”? Todos já ouvimos. 

Mas por que não começar a dieta amanhã mesmo? Ou numa quarta-feira? Por que não começar o processo de mudança ainda hoje?

No Brasil, o ano começa pra valer depois do Carnaval, não é mesmo? Aí sim está valendo. Mas não precisa ser assim! 

Aquela terapia que você colocou nas suas resoluções de ano novo e ainda não saiu do papel pode se tornar realidade ainda hoje.

Não espere o carnaval passar para cuidar da sua saúde mental, até porque, como vimos neste texto, a forma que vivemos a festa diz muito da percepção de nós mesmos, e na quarta-feira de cinzas, nos deparamos novamente com a realidade que pode, para muitas pessoas, ser uma prisão, em contrapartida à liberdade que o carnaval proporciona.

Aproveite o carnaval, mas cuide da sua saúde física e mental, acesse a plataforma Psicologia Viva e fale com um profissional ainda hoje.

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