Da consciência à libertação dos relacionamentos codependentes

Da consciência à libertação dos relacionamentos codependentes

“Eu sou eu, você é você. Eu faço as minhas coisas e você faz as suas coisas. Eu sou eu, você é você. Não estou neste mundo para viver de acordo com as suas expectativas. E nem você está para viver de acordo com as minhas. Eu sou eu, você é você. Se por acaso nos encontrarmos, é lindo. Se não, não há o que fazer.” – Fritz Perls.

A codependência emocional

A codependência emocional caracteriza-se por uma dependência demasiada no aspecto emocional e comportamental de uma pessoa em relação a outra.

Baseia-se em um tipo de relacionamento no qual duas pessoas se envolvem de uma forma tão profunda que acabam se fundindo um à vida do outro, e se tornam tão investidas uma na outra que não conseguem mais funcionar de maneira independente.

Em um relacionamento codependente, geralmente, há uma pessoa que é mais passiva e possui dificuldade em tomar decisões por si mesma e uma personalidade mais dominante, que guia o relacionamento e o outro, podendo haver inversões de papéis quando, de alguma forma, ocorrem mudanças.

O distúrbio foi identificado pela primeira vez como resultado de estudos de relacionamentos interpessoais em famílias de alcoólatras. Na época, psicólogos e conselheiros tentavam entender como a dinâmica relacional influenciava a saúde mental das pessoas, principalmente em torno do vício.

Os pesquisadores perceberam que um ou outro familiar do alcoólatra se moldava completamente à vida do dependente, criando assim, também, uma dependência, não do álcool, mas da relação que se desenvolvia por meio do alcoolismo; por isso o termo codependente.

Hoje, no entanto, o termo foi ampliado para descrever qualquer pessoa que vivencia uma relação disfuncional, tornando-se codependente, não se restringindo apenas ao álcool, mas qualquer tipo de vício ou transtorno que possa afetar um relacionamento. Um filho que assumiu precocemente responsabilidades familiares inadequadas para a sua idade e o contexto social, no intuito de ajudar a mãe que possuía um transtorno psicológico, ou um marido que cuida da sua esposa que tem problemas de compulsão alimentar são exemplos de relações que podem ter o aspecto de codependencia.

Dessa forma, a codependência pode se apresentar em diversos tipos de relações e afetar qualquer pessoa.

“Em minha experiência de atendimento junto a indivíduos portadores do transtorno da codependência, pude observar nitidamente tal dificuldade, onde estes se colocam atados emocionalmente à outra pessoa “problemática”. Particularmente, costumo associar esta atadura ao cordão umbilical que liga o bebê à mãe, no qual, nos indivíduos codependentes, este canal imaginário parece ser a principal fonte provedora de alimentos emocionais e de vida. Sem filtragem ou discriminação daquilo que está exterior a eles acabam assimilando passivamente tanto os alimentos positivos quanto os nocivos” (PERLS, 1997).

A codependência não se qualifica como um diagnóstico de saúde mental, no entanto pode causar sofrimento elevado e levar a pessoa a desenvolver outros problemas, como a ansiedade patológica e transtornos psicológicos.

Codependencia na conjugalidade

As relações codependentes, confluentes e prevalentemente dependentes não se tratam da manifestação do amor, e sim de uma natureza simbiótica que transforma o outro em “objeto” para a satisfação das próprias necessidades emocionais básicas, temos um movimento contrário a real capacidade de amar e aceitar a si e ao outro como seres únicos, inteiros e diferenciados (CARDELLA, 1994)

De fato, a codependência nas relações conjugais pode incluir o colapso da comunicação e da confiança, sentimentos aumentados de isolamento e solidão e, é claro, a destruição de um relacionamento.

Após o casal vivenciar a paixão e as sensações de completude e satisfação plena iniciais do relacionamento, os comportamentos disfuncionais tendem a aparecer. Assim, quando começam a perceber a realidade sentimental e relacional, saem do alto grau de expectativa à frustração intensa. O relacionamento começa a ser balançado por ondas de desgosto e angústia, podendo emergir sensações de sufocamento, violação e hostilidade, por exemplo.

Isso pode derivar da falta de percepção e valoração de si mesmo, assim como a falta de compreensão dos próprios sentimentos e emoções, confundindo, por exemplo, carência, expectativa, paixão, solidão e sexualidade com o que seria o “amor”.

Como os indivíduos codependentes possuem um baixo senso de identidade, acabam vivendo extremos emocionais intensos.

Em um relacionamento saudável, existe o “nós”, assim como existem as individualidades das partes. Já no relacionamento codependente, o indivíduo não consegue diferenciar o “eu” do “outro” claramente, vivem constante o “nós”. Embora os parceiros tenham sido atraídos pela individualidade do outro, eles se tornam altamente entrelaçados.

Relacionamento Saudável

Imagine uma pessoa que, antes de entrar em um relacionamento, tinha os seus momentos com amigos, fazia algum esporte ou qualquer outra coisa de que gostava, porém, ao começar a se relacionar, deixou esses momentos individuais de lado e passou a viver os momentos apenas com o seu parceiro, anulando os seus gostos e desejos.

Nessa situação, o “Eu” vai se fundindo no outro até o ponto de se perder. É normal que uma vez ou outra os parceiros tenham que abrir mão de algo, mas é importante que haja um equilíbrio mútuo para o bem-estar da relação.

Assim como “dois corpos não podem ocupar o mesmo lugar no espaço”, duas pessoas não podem ter os mesmos pensamentos, anseios, desejos, hobbies, angústias – em geral, a mesma mentalidade e a mesma vida.

É importante ressaltar que a codependência pode resultar em muitas variações, não se limitando às situações exemplificadas aqui no texto.

Sinais de codependência

Uma pessoa que é co-dependente geralmente:

  • Tende a vir de um lar disfuncional, onde as necessidades emocionais de amor e intimidade não foram atendidas.
  • Tende a tentar satisfazer essas necessidades indiretamente, envolvendo alguém com todo o amor e atenção que ela mesma nunca recebeu e ainda deseja receber.
  • Tende a escolher parceiros carentes de alguma forma – emocionalmente indisponível, deprimido, zangado, sofrendo, doente fisicamente ou mentalmente – e que reflete suas próprias experiências de infância. Por exemplo, mãe ou pai estavam emocionalmente indisponíveis ou zangados e abusivos, por isso escolherão um parceiro que também seja assim.
  • Pode possuir um foco excessivo na realidade do outro ao invés de focar na sua própria vida.
  • Pode permanecer no relacionamento, mesmo tendo consciência de que seu parceiro faz coisas prejudiciais.
  • Tende a comprometer seus próprios valores e integridade para evitar a rejeição, abandono e a raiva do outro.
  • Supervaloriza as opiniões e os sentimentos dos outros, temendo expressar pontos de vista e sentimentos contrários.
  • Pode possuir a crença de incapacidade para enfrentar o mundo sozinho.
  • Tende a fazer qualquer coisa para agradar e satisfazer o seu parceiro, independentemente do custo para si.
  • Pode possuir um senso de identidade frágil.
  • Tende a ter a autoestima (e muitas vezes a maturidade) baixa.
  • Tende a sentir constante ansiedade sobre o relacionamento devido ao desejo de sempre fazer a outra pessoa feliz.
  • Sofre e se frustra pela “desvalorização” e baixo reconhecimento do outro.
  • Pode possuir a necessidade de ajudar mesmo sem ter sido solicitado, assumindo responsabilidades que não lhe pertence.
  • Pode usar boa parte do seu tempo e energia para dar ao parceiro o que ele pede.
  • Pode ter a sensação de dar ao outro mais do que recebe.
  • Tende sentir a necessidade incessante de mudar o outro.
  • Tende a querer controlar o relacionamento e o parceiro, talvez no intuito de sentir uma (falsa) segurança, já que perdeu o controle e identidade da sua própria vida.

9 passos para romper as correntes

#1 – Faça terapia

A terapia promove o autoconhecimento, integração e ressignificação das suas experiências.

#2 – Reconheça, aceite e entenda sua responsabilidade

Como qualquer problema a ser solucionado, o primeiro passo é admiti-lo para si mesmo. Reconhecer que há uma dinâmica geradora de tensões nos seus relacionamentos é fundamental. Entenda que todos nós somos responsáveis por nossas próprias experiências, sejam elas quais forem. Não somos responsáveis e nem podemos controlar os pensamentos, sentimentos ou ações de outras pessoas. Só podemos controlar os nossos. Então, deixa a vitimização de lado, assuma sua responsabilidade na sua história e decida avançar.

#3 – Observação e exploração

Como a codependência geralmente está enraizada na infância de uma pessoa, é importante a exploração de questões da infância e adolescência e sua relação com os atuais padrões de comportamento destrutivo.

Essa conscientização deve ser feita com compaixão e empatia por si mesmo e pelos outros.

#4 – Autocuidado e Amor próprio

Quando você está envolvido em um relacionamento codependente, muitas vezes você pode acabar se perdendo de vista. Por isso, é essencial a sua autodescoberta. Pense nesse processo como um relacionamento consigo mesmo. Quando você se sente atraído por alguém, você deseja conhecer a pessoa de forma mais profunda, certo? Faça isso com você mesmo.

Explore gostos, desgostos, necessidades, desejos, pensamentos e sentimentos. Dê a você a atenção que você daria ao outro, aceite-se como aceitaria seu parceiro, perdoe suas falhas assim como perdoaria o outro e as corrija como você gostaria de corrigir o outro.

Tenha um tempo para cuidar do seu corpo, para ler um livro, escutar uma música, fazer uma meditação ou algo que sinta prazer.

#5 – Aprenda a ser independente

Comece a fazer as coisas sozinho, sem sentir que precisa estar sempre acompanhado. Saia para jantar, faça algum esporte, vá ao cinema sozinho ou adquira um novo hobby. As pessoas codependentes tornaram-se dependentes dos outros para a autorrealização. Aprenda a se contentar em ficar sozinho. Isso é poderoso para superar a codependência.

#6 – Busque uma rede de apoio

Primeiramente, busque uma conexão e um relacionamento com você mesmo, depois cerque-se daqueles que apoiarão você e a sua verdade, como familiares e amigos próximos, e só então estabeleça uma conexão com os outros, desenvolvendo e nutrindo esses relacionamentos de forma saudável, sendo importante a consciência e a manutenção diária desses passos, a fim de evitar entrar em um novo ciclo vicioso.

# 7 – Aprenda a dizer não

A codependência nos relacionamentos geralmente significa que existem poucos limites em vigor. É quase impossível criar e impor limites pessoais se não souber quais são. Tire um tempo para perceber as coisas que o deixam desconfortável. Estabeleça até que ponto outras pessoas podem entrar em sua vida e as coisas que elas devem fazer quando se aproximarem de você. Isso o ajudará a desenhar linhas claras que o ajudarão a definir seus limites pessoais.

Não existe problema em dizer “não” às pessoas ou às situações que não são saudáveis pra você. Dizer “não” não significa que você está sendo egoísta ou desrespeitoso. Dizer “não” significa que você está cuidando do seu bem-estar.

# 8 – Defina expectativas realistas

Se você depositar expectativas irreais em seus relacionamentos, ficará decepcionado. Esperar que outra pessoa as cumpra é apenas uma preparação para frustação. Aceite você e os outros como são, cada um na sua singularidade.

Não espere a mudança dos outros, mude a si mesmo e mudará toda a situação.

# 9 – Encare seus medos

É totalmente destrutivo viver relacionamentos com medo da rejeição, de não ser o que o outro quer, de não ser visto como o “super legal”, por exemplo. É fundamental encarar esses medos compreendendo que o parceiro que realmente se importar vai gostar do seu crescimento e desenvolvimento, vai se interessar por você do jeito que você é.

Danila Kopper

Referencias:

  1. Blasco, C., & DEL CONCEPTO, J. A. (2005). Dependencia emocional. In I Congreso Virtual de Psiquiatría 1 de Febrero-15 de Marzo 2000 [citado:*]; Conferencia 6-CI-A:[52 pantallas]. Disponible en: http://www. psiquiatria. com/congreso/mesas/mesa6/conferencias/6_ci_a. htm.
  2. Zampieri, M. A. J. (2004). Codependência o transtorno e a intervenção em rede. Editora Agora.
  3. Bandeira, K. B. P. O amor patológico presente no transtorno emociona da codependencia sob a ótica da Gestalt-Terapia.
  4. PERLS, F.; HEFFERLINE, R.; GOODMAN, P. Gestalt-terapia. 2 ed. São Paulo: Summus, 1997.
  5. CARDELLA, B. H. P. O amor na relação terapêutica: uma visão gestáltica. 4. ed. São Paulo: Summus, 1994
Danila Kopper
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