A fim de lidar melhor com os desafios psicológicos trazidos pelo contexto de pandemia, apresento uma reflexão que aproxima da nossa realidade de quarentena a teoria criada pela psiquiatra suíça Elizabeth Kübler-Ross, cujo estudo revelou que existiriam 5 estágios de reação à perda.
Conforme a autora, esses 5 estágios de reação à perda seriam:
- A negação,
- A raiva,
- A depressão,
- A negociação e,
- A aceitação.
Podemos fazer aproximações com essa teoria, uma vez que a pandemia fez com que perdêssemos o contato físico com as pessoas da nossa convivência, restringiu nossa liberdade de circulação e alterou nossa rotina em diversos âmbitos. Viver todas essas mudanças abruptas pode despertar em alguns de nós reações à perda semelhantes às descritas por Elizabeth Kübler-Ross.
Nesse texto, as fases da raiva e da depressão serão abordadas com dicas para que você lide melhor com esses desafios.
Fase da raiva
A raiva configura-se como uma das inúmeras emoções que podem ser despertadas durante o longo período de isolamento social que estamos vivenciando. A raiva pode surgir quando vivenciamos perdas, frustrações, prejuízos, restrições impostas, expectativas não atendidas e desejos ignorados.
No atual contexto de pandemia, enfrentamos diariamente diversos desafios que testam nossos limites de paciência e tolerância à frustração, pois nossa rotina foi modificada de forma drástica sem a nossa autorização.
Um futuro repleto de incertezas
Além das mudanças impostas pelo distanciamento social e o risco de adoecimento, vivemos com um medo constante de perder pessoas importantes e com uma preocupação incessante a respeito do nosso futuro e da nossa saúde. A indefinição sobre quando a pandemia será controlada também predispõe algumas pessoas a terem respostas com maior nível de raiva, pois lidar com uma incerteza tão grande quanto essa exige bastante da nossa saúde mental.
Quais são os sinais de que posso estar na fase da raiva?
Você pode se sentir mais irritável nessa fase de isolamento social. Sentimentos de que você perde a paciência por motivos pequenos podem se tornar mais frequentes. Procure monitorar a forma como você está se sentindo para perceber os primeiros sinais de raiva: inquietação, impaciência, dificuldade para se organizar, dificuldade para se expressar sem ser agressivo, vontade de sair de perto da situação irritante.
O que fazer com a raiva que eu sinto?
Dentro de nós, a raiva precisa ser acolhida. Precisamos encontrar um espaço psíquico em que possamos acomodar essa emoção em nosso ser. Afinal, as emoções também possuem a função de gerar comportamentos que possam aumentar nossas chances de sobrevivência. Portanto, a raiva não é uma emoção que precisa ser eliminada. Todas as emoções podem contribuir de alguma forma para a nossa vida.
Durante a quarentena, a raiva pode acabar elevando seu nível de energia. Nesses momentos, é importante que você encontre uma maneira de extravasar essa energia extra. Por exemplo, você pode iniciar alguma atividade física que envolva um maior gasto de energia tal como arrumar a cama ou limpar a casa para quem estava em uma atividade mais sedentária.
Além de estar realizando uma tarefa útil, você estará se distraindo e gastando esse vigor físico que a raiva costuma ativar. Assim, você poderá se acalmar sem sair de casa e sem prejudicar ninguém.
Você sabia que a raiva pode ser útil?
A raiva pode ser benéfica quando conseguimos direcionar a energia extra que ela nos proporciona para algo que estávamos precisando fazer. Por exemplo, sentir raiva e manifestá-la de maneira adequada pode servir para que você estabeleça novos limites nas suas relações assim como pode fazer com que você fale algo que estava guardando há muito tempo.
A raiva existe para movimentar nossa vida e para que possamos ter o ímpeto e a disposição de fazer as mudanças necessárias para que possamos reencontrar o nosso equilíbrio emocional individual e coletivo.
Portanto, a raiva pode nos impulsionar para que superemos de forma construtiva os obstáculos que enfrentamos nesse momento.
Como administrar melhor a raiva que eu sinto?
Para aprender a administrar sua raiva, busque conhecimento a respeito do desenvolvimento das emoções, da capacidade de aceitação e da tolerância à frustração. Existem diversas técnicas que você pode usar para se acalmar tais como respirar devagar, afastar-se do ambiente em que você sente raiva, esperar antes de falar algo por impulso, pedir ajuda para alguém em quem você confie, fazer psicoterapia, etc.
Fase depressiva
A fase da depressão pode ser dividida em depressão reativa e depressão preparatória. A depressão reativa está relacionada à ocorrência de outras perdas posteriores à perda inicial. Por exemplo, além de todas as mudanças da rotina, algumas pessoas podem ter prejuízos financeiros decorrentes da pandemia ou até mesmo a morte de familiares.
Nesse sentido, a depressão reativa estaria relacionada a uma série de perdas experimentas pelo sujeito em um curto período de tempo – o que dificulta o gerenciamento saudável de suas emoções.
A depressão preparatória costuma ser vivida como uma transição para a fase de aceitação, pois é nessa fase que as pessoas refletem sobre os acontecimentos de uma maneira mais recolhida. Na depressão preparatória, é comum observarmos as pessoas mais quietas repensando os últimos acontecimentos de suas vidas.
Ao final dessa fase, é possível imaginar que as pessoas já teriam processado psicologicamente a maioria dos acontecimentos da pandemia e que teriam avaliado tudo o que puderam fazer nesse contexto tão complexo que vivenciamos.
O que fazer diante dessa pandemia que parece insuportável?
Diante do atual cenário de pandemia, é importante direcionarmos os nossos esforços na busca por alternativas e apoio. Ao implementarmos mudanças na nossa rotina, é importante que tenhamos as nossas prioridades bem definidas.
A partir dessas prioridades, temos uma base segura para tomarmos decisões que impactam a nossa estrutura de vida. Nesse sentido, é fundamental explorar todas as possibilidades existentes e mapear possíveis caminhos que possam conciliar o alívio da nossa tristeza com a realização dos nossos desejos.
Será que estou desenvolvendo algum transtorno mental?
No entanto, quando níveis persistentes e elevados de angústia e de sofrimento se manifestam de forma a prejudicar significativamente as nossas vidas, devemos ficar atentos para o risco de um processo de adoecimento psicológico em que há um sofrimento persistente.
Assim sendo, é fundamental pensarmos alternativas que viabilizem o cuidado preventivo com a nossa saúde mental uma vez que a manutenção da saúde como um todo também depende da saúde mental. Afinal, viver em tempos de pandemia não é fácil, mas podemos e devemos utilizar todos os recursos de apoio que estiverem ao nosso alcance para amenizar nosso sofrimento.
Só eu me sinto assim?
Lembre-se que todos nós sentimos tristeza e raiva em diferentes níveis e por diferentes motivos. Sentir tristeza ou raiva não é um problema por si só. Podemos gerar problemas quando não sabemos canalizar essas emoções para algo produtivo e quando não temos recursos de apoio disponíveis para fazer o gerenciamento adequado desse turbilhão emocional gerado na quarentena.
Nesse sentido, a saúde mental não é a ausência de preocupação ou a não manifestação da raiva ou da tristeza. A saúde mental envolve nossa capacidade de identificar o que estamos sentindo e de saber manejar essa emoção adequadamente.
Cabe ressaltar que ter saúde mental é também poder sofrer, mas sofrer de uma maneira mais flexível em que nos permitimos ter uma certa variabilidade de comportamentos sem nos criticarmos demais por causa disso. Obviamente, essa variabilidade de comportamentos deve ser considerada dentro de limites em que sejam mantidos os níveis mínimos de respeito à liberdade, dignidade e saúde dos demais e da própria pessoa.
Lembrete
As fases da quarentena não são vivenciadas da mesma maneira por todas as pessoas, tampouco possuem uma duração pré-definida. Não esqueça que a tristeza e a raiva são fases (ou seja, são temporárias!) desse processo de adaptação à nova rotina de distanciamento social.
Assim como todas as outras emoções, a tristeza e raiva são passageiras. Se soubermos acolhê-las dentro das nossas condições, elas irão perdendo sua força e nós iremos encontrar os caminhos para superar nossas atuais dificuldades.
Referência Bibliográfica:
Kübler-Ross, E. (2005). Sobre a morte e o morrer (Paulo Menezes, Trad.). São Paulo: Martins Fontes.
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